A imigração e os mitos do senso comum |
Quinta, 10 Janeiro 2013 | |||
A notícia recente da exploração de cidadãos romenos na apanha da azeitona, no Alentejo, foi o ponto de partida para a reflexão que aqui fazemos sobre a desconstrução das narrativas muitas vezes feitas pelo cidadão comum acerca da imigração. Assunto também politicamente sensível no espaço europeu tem sido um terreno fácil para a conquista da opinião pública menos informada no enraizamento do posicionamento anti-imigração, sobretudo, em tempos de crise económica e social. O discurso nacionalista e conservador, predominante em certos setores da sociedade, procura alargar a sua influência com argumentos de cariz meramente populista, mas ainda assim muito eficientes na passagem da sua mensagem. O tempo socialmente conturbado e de escassez de oportunidades, como o que atualmente se vive no nosso país, facilmente transforma a imigração no bode expiatório de toda a desgraça e faz ganhar força a exploração do senso comum e das ideias feitas que distorcem a realidade. Desde logo, Portugal não é, em termos comparativos, um país com excesso de imigrantes. Segundo o estudo da OCDE que apresenta os Indicadores da Integração dos Imigrantes nos 34 países membros da organização no período 2000/2001 e 2009/2010, o número de imigrantes atingiu os 110 milhões e representa 9% do total da população desses países. Portugal, porém, apresentava uma taxa inferior à média da OCDE com apenas 6,3%, ficando muito atrás da maioria dos países, mesmo dentro da União Europeia, tais como o Luxemburgo, Alemanha, França, Reino Unido e Espanha. No final do ano de 2011, a população estrangeira residente em Portugal totalizava 436.822 cidadãos correspondendo a um decréscimo de população de - 1,90% em relação ao ano transato[1]. Apenas dois anos antes, em 2009, os estrangeiros residentes ascendiam a 454.191 cidadãos, estando a sua maioria concentrada nas cidades de Lisboa, Faro, Setúbal e Porto[2]. Desde então, a comunidade estrangeira residente tem registado um declínio significativo (-3,87%), sendo certo que a recessão económica dos últimos anos tem contribuído para a referida redução. Depois, importa ter em conta que a população imigrante tem sido vital para o equilíbrio demográfico da maioria dos países europeus que, na sua generalidade, registam quedas demográficas preocupantes. Esta tendência foi confirmada no Censos de 2011 em que a população residente em Portugal registou um crescimento de 1,9% na última década, devendo-se tal saldo positivo à imigração, uma vez que o aumento de perto de 200 mil indivíduos é explicado em 91% pelo saldo migratório[3]. De destacar ainda que "os imigrantes em Portugal enquadram-se sobretudo na faixa da população ativa - 82,4% contra 65,5% dos portugueses - e a idade média dos cidadãos imigrantes é de 34,2 anos, contra os 42,1 anos da população portuguesa"[4]. Já no que diz respeito às atividades desenvolvidas pelos imigrantes, a realidade tem demonstrado que estes têm vindo a ocupar profissões em que existe défice de oferta dos trabalhadores nacionais e em que se registam, em regra, níveis salariais bastante inferiores. Portanto, será errado supor-se que o imigrante, em alguma medida, contribui para o aumento do desemprego, pois este está sempre dependente da conjuntura económica, política e social, a qual afeta da mesma forma os próprios imigrantes. Por último, e também ao contrário daquilo que é o senso comum, os imigrantes não vivem fortemente dependentes dos subsídios e prestações sociais atribuídos pela Segurança Social. Na verdade, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social superam em muito as despesas, verificando-se "um saldo francamente positivo de 382 e 316 milhões de euros, respetivamente, em 2002 e 2012".[5] No contexto económico-social atual, o descontentamento popular generalizado poderá, nos próximos tempos, ser o terreno fértil para a demagogia e o avanço do discurso extremista anti-imigração, à semelhança dos acontecimentos noutros países como na Grécia, onde a extrema-direita já tem representação parlamentar. No mundo e na europa, a História já nos provou até onde nos pode levar a manipulação retórica e a cedência aos "cantos da sereia" do xenofobismo. Enquanto sociedade plural e democrática devemos ser rigorosos e estar atentos para que o horror desses acontecimentos não se volte a repetir. Eliseu Lopes [1] Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo de 2011, pág. 7, disponível em http://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa_2011.pdf [2] Dados estatísticos disponíveis em http://sefstat.sef.pt/distritos.aspx [3] Consultar em http://www.acidi.gov.pt/noticias/visualizar-noticia/4e0c8b732e0a4/censos-2011-mostram-os-impactos-muito-positivos-da-imigracao-na-demografia-portuguesa- [4] Consultar em http://www.acidi.gov.pt/noticias/visualizar-noticia/50adff903227d/censos-2011---estrangeiros-impulsionam-aumento-demografico [5] Cfr. Raquel Varela, in "Quem Paga O estado Social em Portugal?", pág. 148, Bertrand Editora.
|
A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx