Os panhonhas |
Quinta, 02 Maio 2013 | |||
No Congresso do PS do último fim de semana, Correia de Campos, ex-ministro da Saúde do Governo de José Sócrates, fez uma intervenção pedagógica, explicando aos congressistas que Seguro, ao contrário do que possa parecer, não é um panhonha (um apalermado, um fraco de ânimo) como Passos Coelho. "Seguro nunca faria figura de panhonha sem alma nem força frente à troika (...)."cumpriria o memorando mas resistiria às sete alterações que foram introduzidas entretanto nos exames regulares". Assim falou o homem que , enquanto ministro, serviu de ariete à direita para desmantelar o Serviço Nacional de Saúde, conforme o acusou há cerca de um ano atrás, um dos mais proeminentes militantes do PS, António Arnault, considerado o pai do Serviço Nacional de Saúde. Esta necessidade, sentida pelo ex-ministro, de explicar que Seguro não é panhonha, compreende-se já que o líder absoluto do PS não fez durante o Congresso qualquer exigência explícita de demissão do governo, apenas pediu maioria absoluta quando as eleições ocorressem. Antecipá-las para quê? Qual é a pressa? "Podemos perder votos, mas não vendemos ilusões". "Os sacrifícios e a contenção orçamental não desaparecerão do vocabulário socialista", avisou Seguro, justificando assim, em jeito subliminar, a sua lenta passada rumo ao poder. É que os portugueses já não aguentam mais austeridade, nem que seja a sua "austeridade mitigada". "Cumpriria o memorando", sossega Correia de Campos. Já sabemos. E aTroika também pela carta que Seguro lhe escreveu em papel a cheirar a rosas. O problema é que não se pode cumprir o memorando assinado coma Troika ao mesmo tempo que se jura resistir aos ditames da Troika. Se o memorando já sofreu sete alterações nos exames regulares, como invocou Correia de Campos, o que impede o PS de romper com tal colete de forças? Ou será que Seguro, à semelhança de Hollande, não é assim tão corajoso perante Merkel? Provavelmente trata-se de um problema congénito. É que no meio de tanto consenso e unanimidade ressaltaram duas vozes lucidamente auto-críticas. Sérgio Sousa Pinto: "Não podemos furtarmo-nos por conveniência a enfrentar os sinais da nossa própria mediocridade. A complacência com interesses minúsculos trouxeram-nos a este irrespirável impasse". E Ana Gomes: "Cabe ao PS emendar a mão e travar a espiral de outsourcing que, no passado, os seus Governos também ajudaram a avolumar para engordar escritórios de advogados e serviços de consultadoria, o BPN, o BPP, as PPP, os swap, as obras e aquisições públicas com corrupção". Seguro prometeu, para além de uma série de propostas para o país, algumas já avançadas há muito pelo BE, também uma coligação alargada, mesmo com maioria absoluta. Alargada a quem? A todos! "Tudo ao molho e fé em Deus!" Esse foi, de acordo com os relatos dos jornalistas presentes, o único tema de discórdia no Congresso. O PS deveria fazer um acordo de governo com a direita ou com a esquerda? Esta é , aliás, a única questão que verdadeiramente interessa aos portugueses em geral e que deveria ter preocupado os congressistas em particular, já que é estratégica para o futuro do país. Mas nisso o timorato Seguro não se comprometeu. É certo que antes já tinha falado em acordos com democratas-cristãos, social-democratas e "progressistas", mas o que é isso de "progressistas"? Por que não referiu explicitamente os comunistas e os bloquistas? Porque dirigentes como Carlos César, que já defendeu um governo com o CDS, parecem terem mais peso no PS do que Pedro Nuno Santos que defendeu no congresso um governo de esquerda. O BE sempre tem defendido o caminho de juntar forças à esquerda. Mas o seu primeiro compromisso é com a povo e a defesa dos seus interesses. Por isso lutou na rua e no parlamento contra o governo de Sócrates. E não se arrepende. Estivemos bem acompanhados por muitos milhares de portugueses indignados com os ataques do governo "socialista" à escola pública, ao Serviço Nacional de Saúde, contra o encerramento de serviços públicos e contra a austeridade dos PECs 1, 2 e 3, em conluio com a direita. Não foi a esquerda que ajudou a derrubar o governo do PS, foi o governo PS que abriu o caminho à direita e à Troika com as suas políticas de direita. Mas essa tem sido a triste sina histórica do PS. O BE apoiou o candidato presidencial Manuel Alegre que se prefigurava como o mais bem posicionado para derrotar Cavaco Silva. Era uma batalha difícil, mas possível de ganhar a partir do momento em que passou a ter o apoio oficial do maior partido, apesar do desgaste evidente do seu governo. Mas Alegre viu-se em terreno minado. Passou a pré-campanha e metade da campanha eleitoral a mandar recados para dentro do seu próprio partido, tolhido pela maior ação de sabotagem política que eu já vira. Com que propósito?... O livro do jornalista Joaquim Vieira, "Mários Soares - uma vida" deslinda tal mistério (Soares ficou zangado com o autor por este ter revelado certas confidências pouco abonatórias para o PS). Sócrates ficou eufórico por se ter visto livre de Alegre, conta Soares: "No dia seguinte à vitória de Cavaco, chamou-me lá [à residência oficial]. Eu chego e o gajo estava radiante, bem-disposto. E a primeira coisa que me diz foi: "Ó Mário , acabámos com aquele [insulto]." E eu disse: "Eh pá, não gosto disso, palavra que não gosto disso, não é bonito, não diga isso". "Eh pá, mas ele estava na merda, eu nunca o vi assim". E eu: "Pode ter estado, mas não se esqueça que o Alegre pode ter os seus defeitos mas também tem os seus méritos"(...) E ele: "Mas agora isto mudou tudo, vou fazer uma grande aproximação aos gajos do PSD". Soares contesta a estratégia de Sócrates que só o pode levar ao isolamento e à derrota. Sócrates responde: "Ah não, eu vou resolver esses problemas todos. Vou fazer a coisa das Novas Fronteiras [fórum de socialistas com independentes]. " Moral da história: se não queres passar por panhonha, aprende com a História. Carlos Vieira e Castro
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