Governo ensaia mais PPPs no Ensino Superior |
Terça, 25 Março 2014 | |||
No presente ano lectivo, as universidades e politécnicos acumulam cortes de 340 milhões de euros em relação a 2011. No fim, quem paga são os alunos e as suas famílias: as propinas aumentaram quase 70 milhões entre 2011 e 2012.
Artigo de Carlos Vieira e Castro
No passado dia 10 de Março a Federação Académica de Viseu (FAV) organizou um debate, no Teatro Viriato, sobre o Ensino Superior em Viseu. Foram oradores o presidente da Câmara Municipal de Viseu, uma vereadora da Câmara de Lamego (por esta cidade ter um pólo da Escola Superior de Educação de Viseu), o presidente do Instituto Politécnico de Viseu (IPV), o reitor da Universidade Católica, Campus de Viseu, a presidente do Campus de Viseu do Instituto Jean Piaget e ainda deputados do PSD, do PS, do CDS e do PCP. Por lhe ter falecido um familiar, no dia anterior, não pôde comparecer o representante do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda e a FAV fez o favor de aceitar que eu o substituísse, na qualidade de deputado municipal do BE. O objectivo declarado deste debate era, segundo a FAV, "debater estratégias de cooperação entre as diversas instituições, com vista a potenciação do ensino Superior em Viseu". O debate tornou claro que, partindo da possibilidade de "fusões e consórcios entre universidades e politécnicos", defendida pelo governo, que já pretendeu implementar esta reorganização do ensino superior no final do ano passado e aponta, agora, para o final deste mês, o que se prefigura no horizonte é um consórcio entre as três instituições de ensino superior em Viseu – IPV, Piaget e Católica – uma das formas de consórcio a que o governo chama "Academias de Ensino Superior". No fundo, o que se pretende é mais uma PPP, parceria público-privada, para financiar o ensino superior privado, cooperativo e concordatário, à custa do ensino superior público. Seria a continuação da política de Nuno Crato que, com a Alteração do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, pretende passar dos contratos-simples com escolas privadas, com carácter suplectivo e transitório para suprir áreas carenciadas de escolas públicas, para o modelo de cheque-ensino, substituindo a complementaridade pela concorrência entre público e privado. No presente ano lectivo, as universidades e politécnicos acumulam cortes de 340 milhões de euros em relação a 2011. No fim, quem paga são os alunos e as suas famílias: as propinas aumentaram quase 70 milhões entre 2011 e 2012. Resultado: este ano lectivo, só ingressaram no ensino superior menos de metade dos estudantes que terminaram o secundário. Portugal só tem 35% da população entre os 25 e os 64 anos com o ensino secundário, contra 73% da média da UE. E só 27% da população portuguesa entre os 30 e os 34 anos concluiu o ensino superior, contra 49% da Irlanda e 35% da média da UE (que pretende atingir os 40% em 2020). Logo, o nosso problema não é falta de alunos, é o empobrecimento das famílias e a falta de oportunidades e de aposta do governo no ensino, na formação, na investigação científica e no desenvolvimento criador de emprego. Por isso, reafirmei, no debate, a proposta que o BE tem vindo a apresentar em Viseu, que em 2009 foi aprovada na Assembleia Municipal, sem votos contra, numa moção pelo "reforço do ensino superior público em Viseu, no sentido da evolução do IPV para Universidade Politécnica, desenvolvendo, assim, todas as potencialidades das suas várias escolas, incluindo a Escola Superior de Saúde, tão desvalorizada face às necessidades do país e da região". Evolução semelhante já ocorreu há mais de 50 anos em países como a Inglaterra e a Alemanha, com as escolas politécnicas, destinadas a formar quadros operários com formação superior, para suprir as necessidades do desenvolvimento industrial, a acabarem por se afirmar como centros de investigação científica, capazes de dar graus académicos de nível universitário, passando a constituir-se em universidades técnico-científicas. Este sistema binário descende da antiga divisão do ensino secundário, escolas técnicas e liceus, perpetuando a imobilidade social, com os filhos dos trabalhadores e da pequena burguesia orientados para um ensino mais profissional e os filhos da classe média e alta destinados à elite universitária e dirigente. Este elitismo saiu reforçado com a Declaração de Bolonha e o sistema de dois ciclos. O próprio Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos, num documento aprovado por unanimidade, em 5.01.2005, defendeu, junto da Comissão para a Reorganização da Rede do Ensino Superior, a alteração da designação das instituições politécnicas para Universidades Politécnicas, de forma a obterem as mesmas condições de autonomia, de financiamento e de atribuição de graus e diplomas, bem como para contrariar a desvalorização social do ensino politécnico no nosso país. Diga-se, a este propósito, que não são inocentes as recentes declarações do ministro Nuno Crato pondo em causa a qualidade pedagógica dos institutos politécnicos, a par da proposta de criação de cursos técnicos superiores profissionais de dois anos É a tentativa de aprofundar a divisão do ensino superior, de primeira e de segunda. O sistema binário cada vez faz menos sentido, uma vez que se verifica nos dois subsistemas uma sobreposição de cursos e de funções: ambos formam professores, ambos têm componentes técnico-científicas, ambos desenvolvem investigação. Há universidades, como a do Algarve e de Aveiro, com ensino politécnico, mas os docentes não têm o mesmo estatuto. Como se pode opor o ensino profissional ao científico, numa época em que a interpenetração da ciência e da técnica é cada vez mais visível? Talvez fizesse sentido em 1806, aquando da reforma napoleónica do ensino, que rompendo com a universidade eclesiástica e aristocrática, criou a Escola Normal Superior e a Escola Politécnica, para formar, respectivamente, professores e técnicos para a burguesia francesa emergente da revolução industrial. O ensino escolástico provocou a estagnação do conhecimento científico durante mil e quinhentos anos, desde que os gregos com tempo para o ócio e o cultivo do espírito, passaram a dedicar-se exclusivamente à filosofia e deixaram de deitar mãos à experiência (dos geógrafos, matemáticos e astrónomos), por o trabalho manual passar a ser reservado aos escravos. Foi preciso chegar à Renascença, com Leonardo a meter mãos à obra, esquartejando cadáveres para ver como eram por dentro, para se dar o renascimento das ciências e a valorização do trabalho manual. O que não impediu que num país como Portugal, os cirurgiões, entendidos como técnicos (do grego "quiros", mão), só em 1911 é que foram equiparados a médicos, por serem formados em Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto, porquanto só a Faculdade de Coimbra podia passar diploma de médico. Viseu só não tem uma universidade pública, ficando a ver crescer à sua volta a de Aveiro, Vila Real e Covilhã, porque os partidos do chamado "arco do poder" sempre se preocupram em não beliscar minimamente os interesses particulares das instituições de ensino superior privado, cooperativo (I. Piaget) e concordatário (U. Católica). Para enganar os viseenses foram atirando sucessivamente com projectos de universidades de treta, de que o exemplo mais refinado foi a proposta do actual presidente da Câmara, Almeida Henriques, de uma "Universidade telemática", de ensino á distância, ou a "Universidade Aberta" com sede em Viseu, quando por definição, já se encontra aberta em todo o país, incluíndo Viseu, com um centro de apoio na Escola Superior de Educação. Chega de tretas! O país e as regiões do interior não podem sobreviver mais tempo sem desenvolvimento sustentável, e um dos investimentos com mais retorno é, precisamente, no Ensino Superior Público, 5 euros por cada euro investido, segundo um estudo do IPV, o que equivale a cerca de 5% do PIB da região de Viseu e Lamego. Carlos Vieira e Castro
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