A independência da Escócia será uma nova esperança para a Europa!? Versão para impressão
Domingo, 14 Setembro 2014

sim independencia da escociaHá quatro questões que ficam em aberto para as próximas lutas. (...) Acredito que depois da independência os trabalhadores e as pessoas na Inglaterra e Gales que não se revêm neste sistema em que se salta da caçarola para a frigideira vão lutar por uma outra democracia. Os partidos do sistema vão sair enfraquecidos.

 

Artigo de Paulo Seara, simpatizante do Scottish Socialist Party e aderente do Bloco de Esquerda

 

A Independência da Escócia não será um drama, nem é uma proposta exótica. Existem três razões abrangentes pró independência no movimento pelo Sim que passo a citar: 1 - O Parlamento em Londres não trabalha para a Escócia 2- As políticas sócio-económicas devem ser decididas pelos eleitores da Escócia (O futuro da Escócia nas mãos da Escócia) 3 - A Escócia é suficiente próspera para se conseguir governar com princípios de igualdade e solidariedade.

Durante os últimos dias Portugal acordou para a efeverscência política nas terras do Norte da Europa; lá no País do Uísque. O direito à informação pública poderia ter sido diluído no tempo de modo a conseguirmos compreender que esta "região" não procura conquistar uma independência por ideais nacionalistas, mas que pretende libertar-se das amarras do obsoleto Estado Britânico naquilo que é de facto a autodeterminação de um povo numa sociedade moderna, uma democracia social. Não confundir com social-democracia! Assim deixo-vos algumas ideias independentistas. Serão ideias que podem ser aplicadas de alguma modo num país deprimido como Portugal? Vocês dir-me-ão sim ou não.

Com a independência a Escócia pode:

Criar trabalho justamente renumerado nas energias renováveis, ambiente, habitação, assitência a idosos, manufacturas, comércio local...

Construir mais habitação com fundos públicos - A Escócia não tem habitação acessível para todos os habitantes, e o mercado de arrendamento está sem regulação.

Renacionalizar a Energia - Acabando com os lucros astronómicos das empresas de distribuição.

Renacionalizar os Correios e a Ferrovia.

Manter os estudantes isentos de propinas, e atrair estudantes estrangeiros para a Escócia.

Terminar com o Bedroom Tax. Trata-se de um imposto injusto que é aplicado aos inquilinos que não disponibilizem os seus quartos ao mercado de arrendamento privado, quando não necessitem dos mesmos. Qualquer motivo serve: saída dos filhos, morte de familiares.

Acabar com os Bancos Alimentares. Só em Edinbrugo existem oito.

Progredir para um salário mínimo por hora de 9£.

Acabar com os sistemas de subsídios que causam ansiedade e humilhação, e substituí-lo por uma medida que favorece a segurança e o respeito.

Acabar com a evasão fiscal das grandes multinacionais.

Equilibar as taxas e impostos das pequenas e médias empresas locais.

Terminar com os contractos zero (uma modalidade de trabalho precário).

Corrigir o desastroso sistema de pensões do Reino Unido.

Poupar mil milhões de euros todos os anos ao não se envolver em guerras inúteis no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria... e mais dia menos dia na Ucrânia.

Dizer não ao despesismo pagando por mais 50 anos a manutenção do sistema nuclear Tridente. Não às armas nucleares!

Evolução salarial para os trabalhadores, de modo a que todos os trabalhadores tenham a sua subsistência assegurada e que possam pagar impostos - e ao mesmo tempo corrigir as assimetrias de taxação entre ricos e pobres.

Decidir o que fazer em relação a políticas de emprego, e imigração, sem interferência de partido fascizantes como o UKIP.

Proteger o sistema nacional de saúde da ganância das grandes multinacionais da saúde.

Permitir a existência e acção política de sindicatos.

Criação de um fundo soberano com o lucros do petróleo.

Por um parlamento onde se elege o governo pelo que se vota, e onde a pluralidade política é uma realidade. Ao contrário do que se passa no Parlamento de Londres, onde reina a unanimidade de Conservadores, Trabalhistas e Liberais Democratas. Os círculos uninominais são a melhor fora de desmotivar a classe trabalhadora a votar, pois representa um sistema caciquista.

Por uma Escócia multi-cultural, com uma voz na comunidade internacional.

Adesão à União Europeia em contraponto com a saída da União Europeia proposta para 2017 através de referendo pelo Partido Conservador.

Dir-me-ão agora que é impossível um país mais justo sem uma união forte com a Inglaterra. E há quem goste de fazer argumentos conservadores usando a história. Não, as pessoas que votam pelo sim têm plena noção do que querem. Com a independência os primeiros 2 anos serão duros, mas a médio prazo as pessoas estarão melhor. Mantendo-se o status quo do "better togheder" a Escócia ficará mais frustada e pobre. Neste momento o Reino Unido dobrado pela bigorna neoliberal é dos países ricos aquele que empobrece mais depressa... O Estado Social do pós II Guerra Mundial foi destruído. Foi isso que manteve o Reino Unido coeso até aos anos 80, depois do fim da era imperialista.

No entanto há quatro questões que ficam em aberto para as próximas lutas.

A Libra. A moeda manter-se-á durante alguns anos. Mas como cada governo tem os seus próprios planos orçamentais, é de prever que a curto prazo a Escócia crie a sua própria moeda, em paridade com a Libra Esterlina (Reino Unido). O capital financeiro e os neoliberais fazem uma campanha de desinformação sobre este tema. Há pessoas assustadas. Jogar assim com a vida das pessoas, é um tique autoritário. A questão da libra, prende-se com o facto de a libra ser uma das moedas mundialmente fortes com uma percentagem significativa no mercado cambial, e no mercado de empéstimos bancários em que o Reino Unido se especializou desde os anos 80. O aparecimento de uma moeda na Escócia seria fatal para os interesses do distrito financeiro em Londres. As empresas do capitalismo financeiro não vão fugir pois estão a ter bons lucros na Escócia. Trata-se apenas de uma arrogante prática anti-democrática de 1% da população.

A Monarquia. Os escoceses são maioritariamente a favor de uma república. O referendo não vai decidir esta questão, mas será um ponto a decidir no futuro.

A Constituição. Existem planos num dos parceiros da campanha pelo sim para uma constituição, no entanto é apenas uma proposta partidária. A Constituição deve ser construída de base através de assembleias de cidadãos, e da instituição de uma Assembleia Constituinte.

O Petróleo. Se a Escócia se tornasse independente na década de 1970, aquando da descoberta do petróleo do mar do norte, seria o mais novo e mais rico país europeu. Esta questão vai fazer correr muita tinta, um braço de ferro entre grandes corporações e o povo escocês avizinha-se para breve se a independência for avante.

Cada povo tem o seu potêncial revolucionário, pode é não se manifestar em grandes paradas, mas na determinação dos argumentos, na mobilização para causas. Nunca pensei que os escoceses tivessem essa qualidade, só o descobri quando comecei a colaborar com o Scottish Socialist Party. Não são explosivos como os portugueses, pertencem à categoria dos melancólicos. Aos portugueses falta-lhes uma explosão positiva como nos tempos do PREC.

Se depois da independência iremos caminhar para uma via socialista na Escócia, só o tempo o poderá dizer, mas pede-me a razão, mais do que a emoção para que se faça essa caminhada.

Termino com uma lição de história vinda de um escocês.

Não se deve dramatizar a independência. Repito-o pela segunda vez. Ouvi de um escocês uma lição de história - mas daquela história que se escuta em surdina!. Como sabem o Reino Unido (ou melhor a Inglaterra) construiu um Império Ultramarino, porém decidou conceder independências às suas colónia brancas.

Primeiro concedeu autonomia ao Canada em 1867, somente em 1931 é que o Canada se tornou plenamente soberano. África do Sul em 1931. Austrália em 1901. Nova Zelândia 1907. A maioria destes países não se assemelhavam à Escócia do século XX (se imaginassemos que a Escócia reconquistasse a sua independência antes ou depois da I Guerra Mundial), os níveis económicos e sociais eram inferiores à própria Escócia. Dizer que a Escócia não tem capacidade para ser independente é uma falácia. Dizer que a Escócia é pequena, seria o mesmo que dizer que a Suiça, a Áustria, a República Checa, ou a Dinamarca desmerecem ser independentes.

A Inglaterra não se importou em "libertar" as suas colónias brancas, mas no continente europeu, negou durante séculos a autodeterminação da Irlanda, até à revolta da páscoa de 1916; e somente pressionada pela descoberta de petróleo na Escócia nos anos 70 do século passado é que concedeu gradualmente autonomia, mas apenas em 1998. Tão longo foi o caminho. Os poderes eram aqueles que o Parlamento de Londres e os partidos de governo entendessem restituir consoante as marés.

Os anos 70 do século passado marcaram a sublimanção da Noruega mais graças ao petróleo do que à indústria naval ou ao modelo nórdico, mas era este o país que principiou a sua segunda independência em 1905, numa situação de maior pobreza e atraso que a Escócia.

O que é que a Escócia teve de diferente em relação aos outros países da Europa quando era independente? Educação livre e universal. Em 1698 o parlamento emite um decreto exigindo que todos os escoceses soubessem ler e escrever para compreender a bíblia. Em duas gerações a Escócia tinha o mais alto nível de literacia da Europa e lia cada menos menos textos sagrados. Mais de 80% da população na segunda metade de 1700 sabia ler e escrever. Portugal só atinge esses números 2 séculos depois.

Mas a Escócia não era um país rico antes do tratado da união, e viva constantemente em guerra. A criação do Reino Unido originou-se em 1707 depois das elites perderem as suas fortunas numa tentativa para criar uma colónia no Panamá. Ao princípio a união política e económica foi muito desigual. No entanto acredito que foi a educação que fez a diferença na união política, não foi a Libra, ou seja o resgate - pois claro que houve um resgate, e foi pago com a perda de soberania.

Agora falemos de Portugal. Em 1707 Portugal tem um novo rei, D.João V ascende ao trono. O país tem o maior cash flow de ouro do mundo e o rei D.João V não se lembrou de decretar a abertura de escolas fruto desse cash flow, mesmo assim foi preponderante o seu papel como o principal mecenas do iluminismo em Portugal. Havia muito ouro, até demasiado, que cegou propostas mais racionais e estruturantes - como se diz hoje. Mais uma vez não é o dinheiro que faz um país, uma comunidade, mas as atitudes colectivas. O iluminismo escocês fez inesperadamente algo de útil pelo povo, tratou da questão da literacia.

A Escócia hoje tem uma grande oportunidade para não perder o comboio do século XXI, mas terá de deixar a velha locomotiva do estado britânico, e as políticas neoliberais, que à morte lenta condenam esta união.

Acredito que depois da independência os trabalhadores e as pessoas na Inglaterra e Gales que não se revêm neste sistema em que se salta da caçarola para a frigideira vão lutar por uma outra democracia. Os partidos do sistema vão sair enfraquecidos.

Podemos ter uma Escócia independente!?
Claro que podemos!

Paulo Seara,

simpatizante do Scottish Socialist Party e aderente do Bloco de Esquerda (Portugal)
14.09.2015

 

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