Por que razão a esquerda dinamarquesa apoiou o envio de armas para o Iraque? Versão para impressão
Segunda, 15 Setembro 2014

Michae Voss red green allianceTodas as forças curdas criaram uma frente militar comum para combater o Estado Islâmico.

 

Artigo de Michael Voss, membro da direção nacional da Aliança Verde-Vermelha (Dinamarca)

 

Não é habitual que os socialistas dinamarqueses votem a favor duma resolução parlamentar para enviar un avião militar para o Iraque sob o comando dos EUA. Menos habitual ainda é que eu – que me considero um marxista revolucionário – vote a favor de apoiar esta resolução. Não obstante, foi isso que aconteceu há um par de semanas.

O grupo parlamentar da Aliança Verde-Vermelha (RGA – Enhedslisten) votou junto com todos os demais partidos a favor do envio dum avião Hercules para o Iraque a pedido do Governo iraquiano. O avião transportará armas e munições para as milícias curdas que combaten o Estado Islâmico (EI). De acordo com os estatutos da Aliança Verde-Vermelha, um voto deste tipo no parlamento tem de ser aprovado pela direção nacional do partido. Poucos dias antes da votação no parlamento, e antes de que se conhecera o texto concreto da proposta, teve lugar um intenso debate. A direção nacional da Aliança Verde-Vermelha aprovou uma resolução pela qual autorizava o grupo parlamentar a votar a favor con determinadas condiciones. Quase todos os membros da direção nacional tinham dúvidas antes da votação, mas finalmente foi aprovada a resolução por uma maioria de 14 votos – eu incluído– contra 6, e 5 que não votaram ou não estivieram presentes.

Esgrimiram-se muitos argumentos válidos contra a proposta. A questão mais bicuda foi o facto de apoiar uma intervenção militar sob o comando dos EUA. O governo e o exército dos EUA defendem os interesses das grandes empresas norte-americanas e do imperialismo, tanto no sentido estrito de lhes assegurar o acesso aos recursos, aos mercados e aos lucros, como no sentido mais amplo do domínio geopolítico. O imperialismo norte-americano é a causa fundamental dos conflitos religiosos na região, devido às anteriores guerras de Iraque, e acresce que o imperialismo norte-americano é em grande medida responsável pela existência do Estado Islâmico. Alguns dos seus aliados mais próximos financiaram o Estado Islâmico, e a Turquia permitiu ao Estado Islâmico operar através da fronteira turca sem que Washington colocasse objeções. Finalmente, a Dinamarca teve três experiências muito negativas com a participação en ações militares dirigidas pelos EUA no Afganistão, Iraque e Líbia.

Todos os membros da direção da Aliança Verde-Vermelha e do seu grupo parlamentar tinham consciência de tudo isso, mas a decisão baseou-se numa análise concreta da situação na região. O imperialismo norte-americano criou o Estado Islâmico e permitiu-lhe expandirse até certo ponto. Contudo, o Estado Islâmco cresceu demasiado e reforçou-se militarmente até se tornar perigoso para os interesses dos EUA, como já tinha acontecido com os taliban no Afeganistão. Pelo que neste momento o imperialismo norte-americano quer derrubar o Estado Islâmico.

Não creio que seja preciso argumentar largamente que os socialistas revolucionarios também querem combater o Estado Islâmico, uma força assassina, sectária e profundamente reaccionaria. Uma vitória do Estado Islâmico significaria o fim de todo o avanço social, democrático, de direitos das mulheres e da luta anti-imperialista que se pode ter produzido nalgumas zonas da Siria e do Iraque. Neste sentido há uma coincidência temporária de intereses entre o imperialismo e os socialistas em torno do combate contra o Estado Islâmico. Queremos fornecer armas aos curdos e o imperialismo norte-americano quer fornecer armas aos curdos, pelo menos no atual momento. Não apoiar este fornecimento de armas somente porque os EUA estão no comando é como se Lenine se tivesse negado a entrar a abordo do comboio blindado que lhe disponibilizou o imperialismo alemão para viajar a través da Alemanha até à Russia em pleno processo revolucionário na Rússia, como disse outro membro da direção nacional.

Não corremos nós o risco participar duma campanha militar norte-americana mais ampla com intenções muito diferentes das nossas e que causará muitos males à população da região? Este foi outro argumento esgrimido contra a resolução. Ninguém negará que isto possa acontecer, inclusivamente com a aquiescência do governo dinamarquês. Contudo, de acordo com a decisão da nossa direção nacional, os deputados e as deputadas da Aliança Verde-Vermelha asseguraram-se de que:

- o avião Hércules dinamarquês não podrá ser utilizado para nenhum outro fim que não seja a entrega de armas às forças que combatem o Estado Islâmico,

- esta resolução não dá carta branca a nenhuma outra intervenção militar da Dinamarca na região,

- oconteça o que acontecer, será necessária uma nova resolução parlamentar se o governo pretender prolongar a atividade do avião para além de 1 de janeiro de 2015.

Entre os argumentos contra a decisão também se expressaram dúvidas sobre quem exatamente iria receber as armas. Nenhum membro da Aliança Verde-Vermelha desejava fornecer armas ao governo iraquiano, mas na linguagem formal da resolução parlamentar fala-se de uma ação a favor do governo iraquiano e outras forças que combatem o Estado Islâmico. A direção nacional da Aliança Verde-Vermelha entendeu que isto era necesario para que a resolução fora conforme ao Direito Internacional, pois somente os governos podem receber ajuda militar de outros governos. Em segundo lugar, o exército iraquiano não carece de armas e as armas da Europa oriental não lhe serviríam de nada. Em terceiro lugar, o exército iraquiano praticamente não combate o Estado Islâmico.

Está por ver ainda se as forças curdas mais progressistas, o PKK-Partido dos Trabalhadores do Curdistão (na Turquia) e a sua organização irmã iraquiana (o YPG-Unidades de Proteção Popular) receberão efetivamente armas ou se o governo regional curdo no Iraque as monopolizará. Este governo mantém tradicionalmente relações conflituosas com o PKK/YPG e aplica uma política estritamente neoliberal nas zonas que controla. Na realidade, não se sabe quem exatamente receberá que parte das armas, mas todas as forças curdas criaram uma frente militar comum para combater o Estado Islâmico. Há provas de que efetivamente partilham armas, e o PKK/YPG leva a cabo a maior parte do combate efetivo.

A pesar dos argumentos relevantes contra, e sem nenhuma garantía a 100% do resultado, a maioria da direção nacional, eu incluído, votámos a favor de autorizar as deputadas e os deputados da Aliança Verde-Vermelha a votar a favor no parlamento. O que inclinou a balança entre uma e outra posição foi o facto de que todas as forças progresistas curdas da região, incluidos os socialistas, e todas as organizações curdas en Dinamarca, incluidos vários membros da Aliança Verde-Vermelha, não só nos aconselharam a votar a favor, como também nos suplicaram que não nos opuséssemos à resolução. Estavam convencidos de que muito provavelmente esta resolução permitirá a entrega de armas ao PKK/YPG, um reforço necessário não apenas para combater o Estado Islâmico, mas também para fortalecer as forças progressistas da região.

Na sequência da decisão, a Aliança Verde-Vermelha impulsionou outras iniciativas destinadas a bloquear os aprovisionamentos militares e financieros ao Estado Islâmico, a popularizar a luta pelo dereito do povo curdo à autodeterminação, e a apagar o PKK da lista de supostas organizações terroristas elaborada pelos EUA e a UE. Um aspeto específico da Dinamarca é o facto de que a emisora de televisão dos curdos para toda a Europa se encontrava na Dinamarca até ter sido recentemente expulsa, e uma dezena de pessoas da comunidade curda enfrentam um processo judicial por ter recolhido dinheiro para organizações que segundo a polícia transferen dinheiro para o PKK. Quando sair o primero carregamento de armas para o PKK/YPG num avião dinamarquês sob o comando dos EUA, as autoridades não saberão como explicar que estão a apoiar uma organização terrorista.

Michael Voss, membro da direção nacional da Aliança Verde-Vermelha (Dinamarca)

09/09/2014

Tradução de Bruno Góis para A Comuna, a partir da versão publicada por VIENTO SUR.

 

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