Ousam pedir opinião ao vizinho de banco. Geram-se autênticas tertúlias dos transportes.

Crónica de Patrícia Rocha

Com a crescente diminuição da qualidade dos serviços públicos de transporte, as pessoas que têm o hábito de ler a caminho do seu destino vão passar mais tempo agarradas às revistas e aos livros enquanto esperam pelo autocarro, metro, comboio, barco.

Apesar de avesso à mudança, o ser humano, por outro lado, também se aborrece facilmente. Fartos de ler os jornais desportivos, as revistas cor-de-rosa, os romances da moda, os utilizadores dos transportes públicos começam a ponderar comprar os grandes clássicos, ler artigos de opinião e pequenos textos literários, aventurar-se pela ciência política, alguns até já molham a ponta do pé nas águas frias da filosofia.

Conceitos que dantes lhes eram desconhecidos começam agora a impregnar as mentes dos portugueses. Começam a pensar no que estão a ler. A fazer perguntas a si mesmos, a questionar o que sempre acreditaram ser verdade. Ousam pedir opinião ao vizinho de banco. Geram-se autênticas tertúlias dos transportes.

Um dia, apercebem-se das suas situações precárias, tomam consciência da sua classe, do que os une em vez do que os separa. Apercebem-se das tribulações por que passam todos os dias e atribuem-lhes causa e causadores.Tornam-se mais tolerantes em relação aos da sua própria classe, mais activos e participativos; começam a reivindicar melhores transportes públicos, melhores serviços públicos, melhores condições de trabalho quando chegam ao emprego.

E um dia, em frente à Assembleia da República, junta-se uma multidão de pessoas munidas do seu passe intermodal caríssimo e fazem a revolução.

FIM

Patríca Rocha

Nota do editor: Com o título orgiginal "Visão utópica de uma sociedade futura, por Patrícia Dinis", este é um texto de ficção. Oxalá se realize.