“Oi, Vivo” – não era preciso ser bruxo… Versão para impressão
Sábado, 31 Julho 2010

Em meados de Julho, perante os ânimos exaltados com o fracasso aparente da compra da Vivo pela Telefónica, publicou “A Comuna” on-line o meu artigo “O capital não tem pátria” (1):

“Está para durar a novela da oferta da Telefónica para a compra da participação da PT na Vivo, a maior operadora de telecomunicações da América Latina. Chumbada (para já) pelo recurso à golden share que o Estado português detém na PT, a operação está longe do seu termo”.

Sob a onda condenações de banqueiros, do PSD, do Tribunal Europeu instigado pela Comissão Barroso e face aos arroubos patrioteiros de Sócrates, abordei este “ensaio de um novo Tordesilhas para as telecomunicações da América Latina” e atrevi-me a vaticinar:

“O negócio da Vivo irá terminar com mais uma parceria ibérica. Na fase actual do capitalismo, os diversos sócios estão condenados a disputas e alianças à mesa do conselho de administração da mesma transnacional. Se os EUA e a China se entendem para estancar a crise financeira, o que vale uma guerreia entre a PT e a Telefónica?” (1)

Quinze dias depois, a troca de participações directas e indirectas que a PT e a Telefónica detêm na Oi e na Vivo, pareceu surpreender muita gente. Sendo insuspeito de pertencer ao círculo íntimo de Zeinal Bava e quejandos, dificilmente poderia ter acertado mais perto da mouche.

A euforia perante este desfecho deixou claro que o patriotismo dos banqueiros, do PS, PSD e CDS se mede em milhares de milhões de euros. E “no final, ganharam todos” – o que, nesta fase do capitalismo global, é meia verdade. A perder ficaram os trabalhadores, e não apenas com esta operação. O cancro começou com as privatização, da PT e não só.

“O PEC acordado com o PSD é a prova de vida do governo Sócrates, cuja firmeza anti-neoliberal vale tanto como o patriotismo de um Ricardo Salgado. E o ministro Teixeira dos Santos não o deixa mentir: na longa lista de privatizações do PEC não há mais lugar para golden shares…” (1)

À esquerda, entre várias reacções, o PCP classificou este negócio como “um acto de capitulação dos interesses nacionais determinado pelos interesses dos principais accionistas privados da PT”.

Mesmo perfilhando uma análise do imperialismo que está a completar um século, é estranho que o PCP confunda os interesses nacionais com “a defesa do seu próprio imperialismo” – neste caso de uma posição dominante da PT (empresa privada, mas ainda que fosse pública…) na “brasileira” Vivo. Até pela cartilha que o PCP ainda diz seguir, isto deveria cheirar a neocolonialismo.

Mas o desnorte desta posição tem a ver, sobretudo, com o fim dos velhos impérios em disputa por uma nova partilha das colónias que esteve na origem de duas guerras mundiais. O processo de globalização, no último quartel do século XX, sofreu enorme impulso com a queda do “socialismo real” e conduziu o sistema capitalista a um novo patamar, a que o 16.º Congresso da UDP, em 2003, chamou de imperialismo global.

É esta análise que importa aprofundar, tendo em conta o novo papel de potências emergentes, como o chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o G20 e a nova realidade do G2 (EUA, China) consolidada na crise financeira global – ver a 5.ª Conferência da UDP - AP, Maio de 2010.

E não era preciso ser bruxo para adivinhar os contornos do desfecho de negócios como os da Oi – Vivo e outros que o rescaldo neoliberal da tempestade financeira veio acelerar: fusões de bancos, companhias de aviação, sectores da energia, informática e telecomunicações, privatizações de serviços tradicionalmente públicos, etc. E, sobretudo, a maior transnacionalização do capital.

De facto, não é preciso ser bruxo. Mas dá um jeito danado manter actualizada a análise científica do sistema capitalista/imperialista, sob uma perspectiva marxista para o século XXI.

Alberto Matos

 

 

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