Várias vezes afirmei que um dos maiores defeitos do nosso tecido empresarial é a fraca capacidade de interiorização da evolução da sociedade e das teorias económicas. Isto, contudo, não significa que os empresários portugueses sejam pessoas limitadas, pelo contrário. O típico empresário português sabe bem mexer-se em prol do seu sucesso.
Sempre que se fala em aumentos, por exemplo, soa o alarme nas confederações de patrões e várias task-forces se mobilizam para descobrir novas técnicas de perpetuação da exploração assalariada, ora defendendo o fim do salário mínimo e a auto-regulação dos vencimentos, ora advogando a falta de condições para as actualizações propostas.
Em sede de concertação social, em 2010, a CIP e a CTP (confederações da Industria e Turismo, respectivamente) alegavam que não seria viável cumprir o acordo assinado em 2006, que previa um aumento anual de cerca de 5% das remunerações mínimas até 2011, para que o salário mínimo atinja os 500 euros. Foi necessário ceder à chantagem de diminuir a taxa social única das empresas e prolongar o prazo de regularização das dívidas (do patronato) à Segurança Social, para que as confederações de patrões aceitassem cumprir o acordo. A mesma ameaça foi recentemente feita relativamente ao aumento para 2011.
O propósito do salário mínimo é garantir uma existência condigna a um indivíduo, assegurando-lhe condições para a sua realização pessoal e garantindo o acesso à cultura. Uma análise marxista encontra no salário mínimo um mecanismo de apoio à nivelação da relação entre assalariado e patrão (tendencialmente desigual), sabendo que não são os direitos dos trabalhadores que inviabilizam uma empresa, mas a concorrência entre capitalistas. Associando-lhe uma abordagem keynesiana, o aumento do salário potencia a circulação de capital, dotando os consumidores de maior poder de compra.
Num cenário de crise sistémica, maximizada pela massificação do crédito, torna-se evidente que o modelo assente nas exageradas mais-valias do patronato, com recurso a técnicas de produção ultrapassadas e tendo como pilar os baixos salários da massa assalariada não pode continuar a ser a regra. A maiores salários, correspondem, para o Estado, mais fundos para a Segurança Social, nas camadas mais baixas, e também mais impostos colectados, nas camadas mais altas. Assume-se, portanto, como uma questão de responsabilidade social, à qual o patronato não se pode esquivar.
Falta apenas juntar o factor marketing à equação. Os capitalistas foram segmentando diferentes produtos para diferentes grupos de pessoas, por vezes de forma artificial, como vemos acontecer com muitos produtos das “marcas brancas”. A diferenciação das elites só pode acontecer se existir um fosso que as separe dos demais. Através do que conseguem comprar, identificamos este grupo de iluminados. O mais curioso é que as grandes marcas não se inibem de oferecer os seus produtos a estes gestores de influencias, como estratégia de promoção do nome da empresa e catalogação como fabricante de material de elite. O preço do produto é alto, restringindo quem o possa comprar, mas é oferecido a quem tem essa possibilidade.
Surgem, novamente em força, os conceitos de burguesia e proletariado. A burguesia, por força dos seus rendimentos e, sobretudo, da sua influência, consegue a sua auto-perpetuação. O proletariado, vê-se rendido a lutar pela satisfação das mais elementares necessidades, numa tentativa vã de atingir o topo da pirâmide.
Por algum motivo o salário mínimo é de apenas 475 euros, embora pudesse rondar os 510 euros, se correspondesse a 60% do salário médio de 2008; ou 562 euros, se desde 1974 tivesse acompanhado a inflação.
Ricardo Salabert
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