Capitalismo – do fim da história para a estória do fim |
Segunda, 20 Dezembro 2010 | |||
Das imensas confusões que se criam, propositadamente por uns e despropositadamente por outros, é que economia e capitalismo são uma espécie de sinónimos. Sem patrões não há empresas, sem empresas não há emprego, sem emprego não há salário...este é um raciocínio lógico, contudo não é necessariamente verdadeiro se tivermos em conta a pluralidade da economia. Assim, comece-se por desvincular estas duas realidades, capitalismo é uma teoria ideológica de organização económica, economia é a pluralidade de formas de organização social do trabalho e da propriedade. Esta confusão está latente quando se diz que a economia evoluiu da economia política para uma versão pós-moderna “limpa” e que subsiste enquanto ciência empírica positivista. Nada mais errado, qualquer cariz mais positivista do actual modelo obrigaria a revisões profundas perante a crise que eclodiu em 2008. No entanto, assistimos a uma continuação agressiva (em crescendo) das mesmas políticas que nos trouxeram até aqui. Não está aqui a defesa do regresso à economia política, está antes a constatação de nunca existiu outra economia que não a política. Se os patrões exploram assalariados é porque uma determinada visão política assim o quis, não há nenhuma ordem natural que obrigatoriamente nos direccione para esse modelo verticalizado de relação produtiva. As necessidades sociais de consumo, essas sim, são naturais. Não produzimos porque sim, produzimos porque precisamos e deveríamos produzir aquilo que precisamos na medida das nossas necessidades. Logo aí, o capitalismo quebra o “elo embrionário” da necessidade social de produção, é que ele produz (para) uma sociedade desigual, produz em demasia para poucos e produz em consonância com apetites irracionais mercantis não estando direccionado para a realização das necessidades sociais objectivas. Não é preciso ser muito elaborado nesta constatação, basta pensarmos nas assimetrias sociais que ditam que haja quem possa fazer colecção de carros de alta cilindrada e quem tenha de se sujeitar a trabalho escravo para alimentar a si e aos seus dependentes. Esta é primeira diferença que nos aponta para as soluções à esquerda, é a visão heterodoxa da sociedade, uma visão política que vê as desigualdades e procura soluções. O capitalismo não permite a evolução, a libertação da sociedade, porque para esta teoria ideológica a desigualdade é condição natural e motor da economia ao passo que para as teorias de esquerda essa é a principal falha e indicator de fracasso de um modelo económico. Mas se capitalismo não é economia, o capitalismo também está contra a economia. Todas as teses ditas consensuais da vulgata económica são atropeladas pelos próprios que as proclamam em horário nobre sem contraditório. Nenhum economista “da praça” dirá abertamente que é objectivo criar desemprego, pelo contrário, contudo assistimos à pressão da economia de casino* para flexibilizar os despedimentos. Fala-se em lei de oferta-procura mas os juros de dívida pública continuavam a disparar apesar da oferta por parte dos credores ter sido o dobro da solicitada pelo Estado português (se há muita oferta de crédito em relação à necessidade/procura de crédito, os juros teriam de baixar ou ser baixos). A produtividade será a solução de todos os males mas assistimos a um deslocamento massivo de investimentos para sectores não produtivos (finança) e os salários não acompanham o crescimento da produtividade (mais uma vez transfere-se do trabalho para o capital). Diz-se que vivemos num regime de meritocracia mas se nas empresas públicas temos nomeações políticas para altos cargos, nas privadas temos uma monarquia de longa data e desenvolvemos relações laborais com base em relações parasitárias de propriedade**. Para aqueles que advogavam o capitalismo como o fim da história é melhor começarem a pensar na estória do seu fim, porque o futuro será escrito pelos que lutam pela liberdade, pela emancipação dos povos. Não é de futurologia que falo, simplesmente com capitalismo não há futuro. À esquerda cabe encurtar o período de transição entre capitalismo e democracia económica, não ficando de braços cruzados à espera que a degradação siga o seu curso, até porque os ciclos económicos criam a ilusão que tudo vai mudar quando no longo prazo caminhamos para degradação das condições de quem trabalha. João Dias
* Economia de casino define bem a visão política de Cavaco, é de dentro de um casino que este diz aos portugueses que se devem envergonhar pela pobreza. Esta é a mesma pessoa que defende os mercados financeiros que atacam Portugal e que ataca os Açores por não cortar nos salários da função pública. De facto terão de ser os portugueses a envergonhar-se, porque o actual Presidente da Répública não tem mesmo vergonha. ** As relações de trabalho que desenvolvemos com base na propriedade fazem lembrar a criança que levava a bola para jogar com os colegas mas que vendo que o jogo não lhe corria de feição ditava as regras à medida da sua conveniência e se, mesmo assim, a coisa não se compunha ao seu jeito, levava a bola para casa e deixava os colegas sem bola para jogar. Qualquer semelhança com leis laborais e deslocalizações é da pura responsabilidade de 36 anos de governação à direita.
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
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