Tudo vai bem em Davos Versão para impressão
Segunda, 31 Janeiro 2011

Terminou mais uma reunião do Fórum Economico Mundial em Davos, que juntou líderes políticos, bancos e instituições financeiras para discutir os destinos da economia mundial. Assim foi todos os anos, excepto em Janeiro de 2009, no pico da crise financeira, quando os banqueiros não ousaram aparecer e em 2010, ano em que assistiram serenos às declarações de intensões sobre a regulação dos mercados financeiros.
Passada a crise, business as usual, e os grandes bancos, parte deles salvos por intervenções estatais, regressam para exigir menos regulação e mais mercado. Segundo um executivo da Goldman Sachs, a excessiva regulamentação que se quer agora impor aos bancos poderá ser a causa da próxima crise, uma vez terá o efeito  de desviar a actividade financeira para zonas  menos sujeitas a supervisão (como os hedge funds, ou outro tipo de activos “fora do balanço”). Também o presidente da JP Morgan, um banco de investimento americano, veio reivindicar mais brandura para com o sistema financeiro.
Só para nos avivar a memória, já que parece que Davos sofreu de subido ataque amnésico, vale a pena perceber de quem estamos a falar.
Entre 1998 e 2009, a Goldman Sachs prestou serviços de consultoria que permitiram ao Governo Grego mascarar as suas contas públicas e o verdadeiro valor do défice. Em Setembro de 2009, a consultora que é também um banco de investimento, foi um dos criadores de um produto financeiro especial – um credit default swap – para cobrir o risco da dívida nacional grega, ou seja, para especular com a dívida pública e a situação financeira do país.
Este é apenas um dos escândalos financeiros em que a Goldman Sachs está envolvida, mas há mais, muitos mais. Em Maio de 2009 o grupo pagou 60 milhões de euros para acabar com uma investigação sobre as práticas do banco relativamente à venda de créditos hipotecários “subprime”, ou seja, a famílias sem condições para os pagar, com elevadas taxas de juro. Ainda durante 2009 o banco foi acusado de vender produtos aos seus investidores contra os quais especulava depois nos mercados, e de retirar proveitos do salvamento da seguradora AIG pelo Governo Norte Americano. 2009 foi também o ano em que a Goldman Sachs apresentou os maiores lucros de sempre.
De mencionar ainda, sobre a Goldman Sachs, é a saudável relação entre os seus altos quadros e o Governo americano. Retomemos alguns exemplos.
Todos conhecemos certamente o nome do responsável pelo “plano Paulson”, Hank Paulson, o secretário do tesouro Norte Americano nomeado por Bush, que na primavera de 2007 afirmava: “um mercado financeiro aberto, competitivo e liberalizado pode alocar efectivamente recursos escassos de forma a promover estabilidade e prosperidade muito melhor do que a intervenção governamental o faria”.  Não é de estranhar tal posição em pleno estalar da crise financeira, se tivermos em conta que Paulson era um ex CEO da Goldman Sachs. Também o conhecido lobista da Goldman Sachs, Mark Patterson, passou a fazer parte do Tesouro Americano, ao ter sido nomeado chefe de gabinete de Timothy Geithner, o Secretário do Tesouro de Obama.
Mas não é apenas no Tesouro que a Goldman Sachs marca presença. Stephen Friedman, um antigo director do banco, foi nomeado presidente da Reserva Federal de Nova Iorque em 2008. Situação que se tornou particularmente delicada, uma vez que Friedman ainda detinha acções da instituição que supervisionava enquanto presidente da Reserva.
Já este ano, apenas um ano depois de ter responsabilizado os banqueiros pela crise, Obama escolheu para chefe de gabinete William Daley, um executivo da JP Morgan (que declarou em 2010 um aumento de 48% - 17,4 mil milhões de dólares -  nos seus lucros líquidos), para demonstrar que “quer uma nova relação com Wall Street”.
E é esta “nova relação” (que de nova não tem nada) entre o poder político e Wall street, down street, city de Londres e outras tantas cities e streets, que vemos sair de Davos.
Não deixamos nunca de nos surpreender. As mesmas instituições que criaram a crise estão agora mais fortes, mais lucrativas e com a credibilidade de sempre, a defender os mesmos princípios de mercado livre. E não falamos apenas dos bancos que cometeram crimes. Foi o próprio funcionamento do sistema que conduziu ao aumento especulativo dos preços e, por consequência, à bolha que acabou por rebentar em 2007 nos EUA. Este incidente não passaria disso mesmo se o processo de contínua desregulamentação dos mercados não tivesse permitido a crescente complexificação, interligação e opacidade do sistema financeiro.
Mas somos obrigados a dar razão a um dos banqueiros de Davos quando afirma que: os” governos querem crescimento e, como não têm dinheiro para serem eles próprios a estimulá-lo, precisam mais do que nunca dos bancos para executar esse papel (…)”(Gray Parr, banco de investimento Lazard).
É verdade, os Governos precisam dos bancos e do sistema financeiro para promover objectivos de política económica. Nomeadamente para garantir que os recursos financeiros são canalizados para a actividade produtiva através do crédito, e que os juros a pagar pela dívida pública não se tornam insuportáveis devido à especulação financeira.
É exactamente porque os sistemas financeiros são um importante alicerce na promoção de politicas públicas para o desenvolvimento e crescimento, que a sua actividade deveria ser altamente condicionada e regulamentada, não o contrário.
Um bom exemplo disto mesmo é a própria Caixa Geral de Depósitos que, sendo totalmente público, é o mais sólido banco português. Podemos questionar algumas das suas intervenções (como o salvamento do BPN), mas é inquestionável o seu poder enquanto instrumento de intervenção na economia e na estabilidade do nosso sistema financeiro, ao contrário do que defende a teoria dos mercados livres.
Um sistema financeiro que sirva a economia é o mínimo que se podia exigir a Davos, mas para isso seria necessário mais e melhor regulação, uma redução drástica das actividades especulativas dos mercados, e mais intervenção pública no sistema financeiro. Mas, ao que tudo indica, estamos cada vez mais longe desse objectivo.

Mariana Mortágua

 

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