A fase surrealista do capitalismo: “estabilidade” em plena crise Versão para impressão
Terça, 22 Fevereiro 2011

 

Perante a derrota factual e terrena da ideologia dominante poucos intelectuais sobraram para defender o modelo de forma aberta. Assim, a melhor defesa é disparar para o ar e esperar que ninguém olhe para o chão e veja a realidade. Neste momento a cartilha está reduzida a “soundbytes”, sem ideias apresentam-nos palavras repetidas à exaustão (cassetes que diziam pertencer ao PCP). A palavra do momento parece ser estabilidade...e instabilidade por oposição.

E dado que estabilidade é o pressuposto da não queda do governo português, podemos concluir que há quem consiga ver estabilidade no crescimento do desemprego, no regabofe fiscal da banca, nos 2 milhões de precários e nesse clima social generalizado de austeridade assimétrica. Verdadeiros visionários que nos entram em casa diariamente através da televisão e jornais, vêm tudo menos a realidade, vêm tudo menos aquilo que lhes contradiga a ideologia de mercado.

Ironia das ironias, também os regimes ditatoriais do norte de África ameaçados pelo descontentamento popular têm reclamado a necessidade da sua eternização no poder com o pressuposto da estabilidade. Parece que o programa da internacional socialista, da qual faziam até bem pouco tempo Hosni Mubarak e Ben Ali, é bastante coerente e todos os seus discipulos têm a lição bem estudada. Quando tudo estiver a rebentar pelas costuras, os “socialistas” dizem que é preciso estabilidade mesmo que isso se resuma a manter no poder o elemento destabilizador.

Efectivamente os regimes ditatoriais oferecem uma continuidade inquestionável (Joe Berardo aponta o caminho). Mas há lá regime onde mais anos se tenha mantido um líder no poder do que aquele em que se prescinde da democracia? Salazar é prova disso, parece secundário o atraso social e a repressão à qual esse regime nos condenou. Talvez o facto de alguém como Berardo sugerir uma ditadura demonstre o desnorte do capital em Portugal. Estão completamente perdidos, tão perdidos como o PSD quando soube que o Bloco de Esquerda ia apresentar uma moção de censura ao governo.

A estabilidade do poder em Portugal é diferente da do Norte de África, sem dúvida. A nós calhou-nos a estabilidade rotativa: partidos de nomenclautra socialista e prática política neoliberal trocam periodicamente entre si. A chefia muda mas as políticas não. É sobre este consenso podre, fraco com os fortes e forte com os fracos que tem de haver censura, que tem de existir resposta. A moção de censura alterou o calendário de PSD, PS e CDS, a bipolarização em Portugal tem de assumir novos contornos. De um lado estão os partidos da banca e dos interesses privados e do outro os partidos dos trabalhadores: BE e PCP. Só a clarificação permite a transformação, só a ruptura com discurso anti-política permite que ocorram transformações profundas num quadro de democracia parlamentar. Aos descontentes que desistem da crítica, da proposta e da participação política Joe Berardo diz “Muito obrigado”.

De facto, o capital parece ter atingido uma fase surrealista, nada que seja de admirar já que a realidade é um empecilho que é preciso contornar para evitar a constatação do fracasso. Nem tão pouco parece existir nenhuma espécie de empirismo na reconstrução ideológica do modelo explorador, parece até pelo contrário haver recuos naquilo que seriam os ganhos civilizacionais das democracias capitalistas. Em desespero apontam o dedo ao multiculturalismo, à democracia ou aos mais pobres dos pobres que recebem os apoios sociais. A exploração sempre foi feita na base da promessa de dias melhores, mas não há dias melhores para quem é explorado e mesmo os que não partilham do pensamento à esquerda vêm a realidade esmagar os seus preconceitos.

O populismo de Cavaco nas presidenciais é só um sinal do que aí vem. Os partidos da “estabilidade” sentem instabilidade ao ver as alternativas que pulsam ao ritmo da população e da luta pelos seus direitos. O Norte de África marca o desnorte, a censura lançou o pânico da clarificação política...só tem medo da democracia quem está à sombra da estabilidade.

João Dias

 

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