Moção de censura "censurada" |
Sexta, 25 Fevereiro 2011 | |||
Há muito que se vem a notar, no que respeita aos serviços de comunicação social, uma deliberada escolha dos temas tratados e da sua abordagem, assim como uma imprecisa (ou não tanto) tendência para escutar mais as exigências trazidas pelo mercado de audiências do que pelo serviço público que devem prestar. De maneira nenhuma ouso preconizar a extinção de estações de televisão ou a implementação de um controlo rígido sobre os conteúdos, de modo a tornar imparciais as notícias que constantemente tomam partidos. O que pretendo dizer é que os serviços de comunicação social foram pensados, na sua génese, para o intuito de comunicar, transmitir. Transmitir o quê? Aquilo que à população interessa e que lhe poderá dar proveito. E numa sociedade de informação, como gostamos de chamar a nós próprios, quando a informação carece de uma origem, uma outra origem terá de surgir para dar essa informação. Um partido político, por seu turno, deve a sua existência também a um serviço que deve prestar, e que nenhum outro agente social consegue prestar com o mesmo nível de eficácia. Um partido político existe para concorrer a cargos políticos, para canalizar a informação da população para o poder e do poder para a população, para simplificar o vasto leque de distinções sociais e culturais de uma nação e, talvez acima de tudo, representar os eleitores (os que nele votam e os que não o fazem). Desta forma, a acção de um partido político não deve nunca mover-se em torno de interesses dos seus membros, ou estará desse modo a renunciar à filosofia que o criou. A acção de qualquer partido político deve orientar-se pelas exigências da população nacional: assim sendo, no caso de um partido, representado no parlamento, considerar que estão reunidas as condições para destituir o governo da República, deve apresentar as suas razões e propor a votação uma moção de censura. E se um país é mal governado, se as medidas tomadas não vão de encontro às necessidades do momento e de longo prazo, o país não se deve prender a um executivo que não está a resolver os problemas conjunturais ou estruturais que ameaçam o futuro do país e de gerações por vir. Naturalmente que às pessoas não interessa, antes de tudo, ligar o seu televisor e conhecer os jogos políticos que a moção de censura está a suscitar – se não conhecem sequer o que uma moção de censura é. Não está aqui em causa tanto o desconhecimento absurdo da população em relação a assuntos que dizem respeito a todos, mas principalmente o desinteresse deliberado dos órgãos de informação em informar devidamente. Um governo pode sair de funções de três formas, se não contarmos a ocasião de uma revolução que substitua as elites governantes: a renúncia do próprio governo às suas funções, a dissolução pelo Presidente da República do parlamento (e, por conseguinte, do governo que decorreu da distribuição dos mandatos parlamentares) e a aprovação de uma moção de censura na Assembleia da República. Num regime democrático, caracterizado pela separação dos poderes soberanos, o poder legislativo tem de se sobrepor ao poder executivo, pela razão simples de que o poder legislativo é mais representativo do que o governo: os cargos parlamentares são alcançados por proporção; os de governo por maioria simples. Por conseguinte, o poder legislativo necessita constitucionalmente de um mecanismo que o coloque sem dúvida sobre o livre arbítrio do governo: isso é a moção de censura. Depois surge a intriga política, e de muito vale sublinhar que não há forma de fazer com que a política não seja um jogo, porque existe conflito, existe competição: mas todo o jogo pode ser limpo e não ser sujo. A esquerda não concorda com a política seguida pelo governo Sócrates, porque, apesar da denominação do seu partido, 90% das atitudes e medidas do executivo violam quaisquer princípios da esquerda política (as privatizações, a austeridade, o abandono dos mais necessitados e a desatenção prestada à formação do capital humano português são exemplos ilustrativos). Por outro lado, como muito foi já dito acerca dessa questão, a direita política tem interesse na demissão do governo porque sabe que tomará o poder após o derrube de Sócrates. De um modo geral, é correcto dizer que o que está, neste momento, a prejudicar o PS é não se assumir de direita, nem agir como esquerda. A esquerda não acredita já em Sócrates, e os eleitores de centro e indecisos caíram na descrença da esquerda porque julgam ser socialista o Partido Socialista. O PSD, com nova liderança, e o CDS, com um discurso populista que pretende virar portugueses contra portugueses e portugueses contra estrangeiros para que outros estrangeiros (os mercados) não estejam contra os portugueses, são assim a alternativa para um povo pouco esclarecido que vive defronte de um televisor pouco coerente. Pelo que vemos, todos os partidos da oposição têm a ganhar com a demissão do governo, e juntos aprovariam a moção de censura. Mas a direita não agirá desse modo: a questão que se impõe é “porquê”, mas as respostas não tardam a aclarar-se. Por um lado, a direita tem a beneficiar com o governo Sócrates, pois enquanto o governo Sócrates toma as medidas que a direita tomaria, é o PS e não a direita que está a queimar o seu nome. O PSD e o CDS preferem que seja o PS a cumprir os seus programas políticos, do que mais cedo serem eles próprios a fazerem-no, porque no futuro próximo, sem mudança de governo, vêem já todas as medidas serem preparadas para abraçar o neoliberalismo inconsciente do Ocidente. Por outro lado, a direita não quer, por orgulho político, que o desastroso governo caia por acção de um partido de esquerda, mas sim por acção (a primeira acção visível em 6 anos) do Presidente Cavaco Silva, pois a único papel importante deste segundo mandato do Presidente será cortar a relva miudinha para que o PSD entre em campo. Foi para isso que foi eleito e foram essas portas que os portugueses abriram. O CDS, que ainda prolonga o insensato e gravemente falacioso discurso de que as Presidenciais demonstraram uma aliança “perigosa” entre PS e Bloco de Esquerda, vem ainda dizer que o Bloco está a “fazer um favor” a José Sócrates ao demiti-lo. Estamos aqui a falar de Sócrates, da sua pessoa, e do que fazer para o agradar? Ou estamos a falar de uma moção de censura, que censura um governo que tem prejudicado um país que já estava prejudicado por muitos anos de políticas que seguem uma linha política errada em Portugal e na Europa? O que teria José Sócrates a ganhar se o seu governo tivesse de abandonar funções por acção do partido que mais o criticou em todos estes anos – o Bloco de Esquerda? Paulo Portas sofre de uma grave síndrome, ilustrado em vários romances e peças de teatro da História da Literatura mundial: a síndrome de não conseguir, mesmo com toda a boa-fé, falar verdade. Sim. Sim, o Bloco de Esquerda podia ser como os outros partidos que, contra a filosofia dos partidos políticos, agem por calculismo político e não de acordo com o seu contrato com a população. O Bloco de Esquerda poderia temer a invasão do FMI quando a direita subisse ao poder após a aprovação de uma moção de censura apresentada por si mesmo. Poderia manter no poder José Sócrates, perfeitamente incapaz para o compromisso que um Primeiro-ministro deve ao seu povo, considerando-o um mal menor na relação com Passos Coelho. Mas não são cálculos políticos de futuro que tornarão o presente menos negro. Haja o que houver depois de Sócrates, nada levará a que se possa ver o governo Sócrates como um governo afecto às necessidades de um país frágil como Portugal. É por isso que uma moção de censura é necessária. Mas Sócrates continuará a governar. E é assim que o governo não vai ser censurado, é assim que a mesquinhice falará mais alto do que o mérito e o consciente juízo. É assim que Portugal será sempre um país pequeno, um país que falta cumprir-se, que não sabe o seu caminho nem como limpar os seus destroços. É assim que as gerações mais velhas vão morrendo de solidão, pobreza e condenação, e que as gerações mais novas vão sendo condenadas a privações múltiplas que começam bem cedo. É assim que Portugal não se formará, não se desenvolverá, e que caminha sempre na direcção de ser apenas um bairro clandestino da periferia de Espanha, sem produção, sem pensamento, sem responsabilidade. Apenas com culpa. João Fernandes
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A Comuna 33 e 34
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