8 de Março – um século de lutas pelos direitos das mulheres Versão para impressão
Terça, 08 Março 2011

feminismos

Neste 8 de Março de 2011, as jovens saem das universidades para os call-centers e para as caixas de supermercado. Perguntam-lhes nas entrevistas de emprego se vão casar ou se pensam ter filhos/as. São as “Deolindas” altamente qualificadas, que têm uma mão cheia de conhecimentos, de vontade de se afirmar pelas suas capacidades, mas que têm “a outra mão cheia de coisa nenhuma”.

Artigo de Manuela Tavares

Foi em 1910 que Clara Zetkin propôs, na segunda Conferência Internacional de Mulheres Socialistas em Copenhaga, a criação oficial de uma jornada internacional das mulheres pelos seus direitos. Inspirada nas feministas socialistas norte-americanas que, em Chicago a 3 de Maio de 1908, haviam celebrado um dia da mulher com a participação de 1500 mulheres, reclamando a igualdade entre os sexos, a autonomia das mulheres e o direito ao voto, Clara Zetkin fez a proposta de uma jornada internacional das mulheres, em 1910, sem referir um dia especial para essa jornada. No jornal alemão Diegleichheit de 28/8/1910, Clara Zetkin referiu que o tema principal dessa jornada seria a luta pelo direito ao voto.

O século XX foi o século das mulheres. Esta é uma afirmação de várias historiadoras

É um facto que foi grande a evolução dos direitos das mulheres nos últimos 100 anos, desde a luta pelo direito ao voto, até verem consignados os seus direitos como direitos humanos, o que só aconteceu em 1993, com a Conferência de Viena.

Contudo a expressão “feminismo” ou seja a luta pelos direitos das mulheres continua a ser algo de “lateral”, de “marginal”, que nem sempre se leva muito a sério.

Será que existem razões para continuarmos a lutar pelos nossos direitos e a falar de “feminismos”?

Não alcançámos já todos os direitos nas leis?

Não são as jovens, nas escolas e universidades, quem obtém maior sucesso?

O acesso a todas as profissões e cargos políticos não é algo perfeitamente possível para as mulheres ?

Seria ingenuidade pensar que a evolução alcançada não está prenhe de contradições, num sistema capitalista e patriarcal, que cede com uma mão aquilo que vai retirar com a outra, parafraseando a célebre expressão da escritora Irene Lisboa: “uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”.

É um facto que as lutas feministas com diferentes dimensões, consoante os contextos políticos e sociais forçaram ao discurso institucional da Igualdade. Conquistaram direitos, em especial nas leis. Forçaram rupturas de pensamento, como nas décadas de 1960 e de 1970. Proclamaram o direito ao corpo, à autodeterminação nas vidas pessoais, denunciaram a violência de género. Falaram das sexualidades sem tabus. Mostraram que as mulheres eram diferentes consoante a classe social e a cor de pele. Assim o disseram pela primeira vez as feministas negras. Mas também mostraram que classe e género se podem cruzar, sem que as contradições de classe ofusquem as outras contradições na sociedade. Devemos a Juliet Mitchell, a Sheila Rowbotham e a outras a feministas socialistas a clareza de combaterem o marxismo dogmático e ortodoxo, de fazerem a ponte com as feministas radicais dessas décadas. Contudo, como é ainda desconhecido o seu pensamento!

Neste 8 de Março de 2011, as jovens saem das universidades para os call-centers e para as caixas de supermercado. Perguntam-lhes nas entrevistas de emprego se vão casar ou se pensam ter filhos/as. São as “Deolindas” altamente qualificadas, que têm uma mão cheia de conhecimentos, de vontade de se afirmar pelas suas capacidades, mas que têm “a outra mão cheia de coisa nenhuma”. As políticas neo-liberais tolheram o seu passo de evolução, limitaram os seus horizontes.

Neste 8 de Março, há mulheres em África que continuam a andar quilómetros para encher um balde com água e raparigas que não vão à escola para apoiar este trabalho.

Neste 8 de Março, há mulheres que continuam a ser apedrejadas até à morte por “adultério”, estigma, também ocidental, que levava o código napoleónico a permitir que o homem podia matar a mulher. Mas, também vemos mulheres com véu e sem véu, no Egipto, na Tunísia e noutros países árabes a virem para as ruas reclamarem liberdade. Sinais de novos tempos, num trajecto de emancipação que será também delas e pela luta delas.

Neste 8 de Março, a violência de género continua a acompanhar a vida de muitas mulheres. Silenciadas pela morte, ou pela ameaça, elas vão, contudo, encontrando forças para denunciar, para tecerem outros caminhos de vida. As precariedades, muitas mesmo, são um obstáculo a estes novos caminhos. Tratando-se de mulheres imigrantes, as opressões acentuam-se. Do domínio patriarcal dos maridos ou companheiros ao assédio sexual dos patrões. De tudo isto é feita a vida destas mulheres, que caminham ao nosso lado nos transportes, manhã cedo, com os rostos crispados de preocupações.

Neste 8 de Março, há milhares de jovens raparigas que continuam a ter como destino a faca do corte das fanatecas. A mutilação do seu sexo. Um ritual bárbaro. Um atentado aos direitos humanos das mulheres.

É a própria situação das mulheres no mundo que reclama uma nova “identidade política” dos feminismos. De um “feminismo de agência ou de intervenção social”, não no sentido tradicional da expressão, mas de um sujeito colectivo mulheres, aberto à diversidade de experiências e subjectividades, capaz de gerar novos significados para uma maior politização das lutas feministas.

Nesta corrente confluem as posições de um marxismo renovado, as posições radicais, as críticas pós-modernas, que revelam abertura para uma reconfiguração de um sujeito feminista plural, as académicas ligadas ao activismo, as activistas feministas ligadas a uma visão de feminismo interligado com as agendas de outros movimentos sociais. Pode existir, ainda, nesta corrente a incorporação de factores emancipatórios de transformação social e de luta contra a dominação e opressão sexista, com origem em masculinidades hegemónicas, que exercem o seu poder a diversos níveis.

A evolução do estatuto das mulheres nas últimas três décadas não esgota as razões para uma agenda feminista ampla e exigente, que tenha em consideração as diferenças entre as mulheres em termos de etnia, classe social, região de pertença, orientação sexual, religião e idade. Os problemas vividos pelas mulheres em Portugal, como na Europa ou noutras regiões do mundo têm em comum a mesma base discriminatória de uma sociedade onde o capital e a dominação masculina continuam a ter muito peso, onde as relações de escravidão em casa e no trabalho ganham novos contornos com o aumento da precariedade e do trabalho sem direitos. As mortes por apedrejamento. As mutilações genitais. A guetização imigrante. O tráfico de mulheres. Os quotidianos marcados pela violência dos homens com quem vivem. O desemprego para durar. As muitas mais horas trabalhadas por menor rendimento. As discriminações por diferente orientação sexual. As duplas e triplas tarefas. A precariedade no trabalho e nas vidas. As violações. As dificuldades na participação e no acesso às decisões políticas. Estes são os buracos negros da discriminação das mulheres no mundo, que exigem uma intervenção feminista própria dos movimentos de mulheres.

 

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