Desde o momento que o Bloco de Esquerda anunciou que iria apresentar no Parlamento uma moção de censura contra o Governo Socialista que se aguardava com ansiedade o momento de tomada de posse de Cavaco Silva que iria culminar, no dia seguinte, na discussão e votação da proposta do Bloco. Assim sendo, no passado dia 9 de Março, Cavaco Silva compareceu na Assembleia da República proferindo o seu discurso de tomada de posse. Dentre os vários pontos levantados pelo Presidente da República, que poderiam ser minuciosamente analisados, parece clara a necessidade de reflectir sobre a incoerência política que o social-democrata parece, cada vez mais, se ter esquecido de ocultar. Cavaco Silva afirmou que “foi especialmente a pensar nos jovens que decidi recandidatar-me à Presidência da República.”. Acrescentou ainda que “a eles dediquei a vitória que os Portugueses me deram” dizendo ainda que “agora, no momento em que tomo posse como Presidente da República, faço um vibrante apelo aos jovens de Portugal: ajudem o vosso País!”. A questão que se coloca, e num clima de descontentamento dos jovens (e de toda a população portuguesa) que ficou bem patente no protesto da geração à rasca, é se o excelentíssimo Presidente da República quando desempenhava funções de Primeiro-ministro ao decidir instaurar as propinas e lançar cargas policiais sobre os estudantes, se também aí estaria ele a pensar nos jovens e se terá, mentalmente, feito também nessa época um vibrante apelo para que estes fizessem ouvir a sua voz. A política do Bloco Central é baseada num disse que não disse e no constante esquecimento daquilo que não lhes convém ser relembrado. Desenganem-se aqueles que, ingenuamente, acreditam que as palavras de Cavaco eram efectivamente direccionadas aos jovens. As palavras de Cavaco fazem apenas parte de mais uma manobra política que visa, ainda este ano, dissolver a Assembleia e o Governo. Apesar de esta ser claramente uma jogada política podemos afirmar que os seus objectivos foram cumpridos. O intuito de causar instabilidade efectivamente resultou. Logo a seguir a Cavaco proferir o discurso de tomada de posse Sócrates”distraiu-se” e, ao contrário do que o protocolo manda, não foi o primeiro a cumprimentar o Presidente. A estratégia de descredibilizar ainda mais a imagem do Governo está a resultar. O mais recente episódio de disputa e discordância política entre os dois órgãos passa pelo PEC4. Sócrates achou por bem levar a Bruxelas propostas que não passaram pela esfera de análise de Cavaco. Não obstante, o líder socialista quer, mais uma vez, impor novas medidas de austeridade e desta feita sem sequer consultar o Parlamento. A sua atitude de arrogância e prepotência política é apenas mais uma prova viva do desinteresse pelas dificuldades que os cidadãos portugueses passam diariamente e que são consequências directas da aplicação das suas medidas neoliberais. O mais comum eleitor poderá questionar-se do porquê da brusca mudança de atitude de um Presidente que até há bem pouco tempo compactuava com todas as medidas socialistas e mantinha uma relação pacífica e cordial com Sócrates. Infelizmente a resposta, novamente, se prende com táctica política. Cavaco Silva não queria arriscar a sua reeleição ao criar conflito com o Governo. Agora, volvidos alguns meses e lograda a reeleição, Cavaco poderá aprovar toda a agenda social-democrata. O PSD absteve-se na votação da moção de censura alinhando novamente ao lado do Governo. Acusou o Bloco de Esquerda de irresponsabilidade política e de extremismo. No entanto, prefere mover-se através de jogadas políticas desonestas e de forma escrupulosa para, através do Presidente da República, criar discórdia, instabilidade política e esperar pacientemente pelo inevitável dia da dissolução do Parlamento podendo assim, segundo a sua óptica, colocar as mãos no poder. A moção de censura foi criticada pelos representantes do Bloco Central, no entanto, e após a obtenção da clarificação pretendida pelo Bloco de Esquerda há conclusões a serem retiradas. Não era necessária uma moção para alertar para o canibalismo político tanto socialista como social-democrata? Não era necessária uma moção para relembrar que a relevância de qualquer medida política tem, necessariamente, de se prender com repercussões positivas no quotidiano dos cidadãos? Não era necessária uma moção para denunciar a relação de amor-ódio entre o PS e PSD? Relação esta que se prende de acordo com os interesses de cada um. Em tempo de eleições afirmam-se como antagónicos mas, quando as decisões necessitam de ser tomadas, o Governo afirma que irá dar prioridade ao PSD na negociação das novas medidas de austeridade. A lua-de-mel de Cavaco Silva e José Sócrates tem os dias contados e a luta pelo poder e o choque de egos apenas se irá intensificar acabando por, como sempre, negligenciar as preocupações dos portugueses. Não culpem o Bloco de Esquerda pelo clima de descrença na democracia portuguesa e o seu débil estado. Agradeçam a Passos Coelho, Cavaco Silva, José Sócrates e a tantos outros por, com as suas disputas pessoais e caciquismo político, colocarem Portugal numa situação deplorável e que, decerto, não se irá alterar enquanto os destinos políticos sejam dirigidos pela já habitual “esfera de poder”.
Cláudia Ribeiro
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