Especulação financeira gera crise nos preços agrícolas e faz crescer a fome no mundo Versão para impressão
Segunda, 03 Outubro 2011

ilustrao_de_artigo_Pedro_Soares

Os preços internacionais dos produtos agrícolas básicos (commodities) voltaram a atingir valores máximos durante 2010, superiores aos verificados durante a dramática subida dos preços agro-alimentares de 2007/2008. Os indicadores já conhecidos de 2011 vão pelo mesmo caminho e o mais recente relatório conjunto da OCDE e da FAO (organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), sobre as perspectivas agrícolas 2011 – 2020, prevê que os preços se vão manter “altos e voláteis”.

Não se trata apenas de um desequilíbrio entre a oferta e a procura que levaria a um normal crescimento dos preços. O facto novo é que, só nos EUA, o volume dos fundos financeiros de investimento nas commodities agrícolas multiplicaram-se quase 25 vezes, passando de 13 mil milhões para 317 mil milhões de dólares. Este é o factor inédito que trouxe uma volatilidade nunca anteriormente vista em matéria de preços agrícolas e que mudou a normal amplitude da variação de preços.

À beira da crise do subprime, um elevado volume de fundos especulativos refugiaram-se no mercado de futuros agrícolas, considerado de elevado potencial de crescimento e mais resguardado da hecatombe financeira que por aí vinha. O afluxo massivo de capitais que nada tinham a ver com a agricultura, criou uma enorme bolha especulativa à volta dos produtos agro-alimentares, contaminou as cotações internacionais e fez disparar os preços. Um autêntico abraço do urso da especulação financeira à economia dos produtos agrícolas básicos, com consequências sociais graves, sobretudo nos países mais pobres e mais dependentes das importações.

O padrão de comportamento daqueles preços alterou-se drasticamente. Desde 2007 que depois de um pico os preços voltam a cair, mas os valores acabam por ficar mais altos do que os existentes no início da escalada. Como consequência, os preços mantêm-se elevados e em crescimento, sem qualquer correspondência com a economia real da produção e do comércio agro-alimentar.

É a forte especulação financeira que se gerou em torno dos mercados agrícolas que explica, em grande parte, este novo fenómeno. Os resultados traduzem-se no agravamento da pobreza e da fome nas áreas urbanas e rurais das economias mais débeis e no agravamento da dependência alimentar de países, como Portugal, que importam grande parte da sua alimentação. As revoltas populares em Moçambique contra a carestia, em 2008 e 2010, tiveram na origem a escalada dos preços das commodities agro-alimentares, tal como aconteceu inicialmente nas recentes revoluções nos países magrebinos em que os primeiros movimentos de contestação aos regimes foram contra a carestia.

Todas as tempestades e secas que afectaram as colheitas, desde a América do Norte até à Federação Russa, têm servido de justificação para os aumentos dos preços. Mas estes imprevistos meteorológicos têm sido verdadeiras "tempestades perfeitas" para encobrir as responsabilidades de um sistema capitalista desregulado e financeirizado que não quer regular o mercado, nem consegue garantir preços estáveis e acessíveis para bens essenciais, mas consegue gerar uma nova bolha especulativa que passa a encarar os produtos alimentares como qualquer outro activo financeiro.

No final de 2006, os preços internacionais começaram a subir para valores impensáveis, sem que nada o fizesse prever. Cresceram 80% no trigo, 90% no milho, 320% no arroz. A crise prolongou-se por todo o ano de 2007 e só em meados de 2008, antes da falência do Lehman Brothers, é que os preços caíram, mas para patamares muito acima do início da crise.

É verdade que a diminuição da produção e dos stocks agrícolas, o aumento dos consumos, nomeadamente através dos biocombustíveis, ou mesmo as consequências das alterações climáticas e da carência de água, pressionam a subida dos preços. Contudo, a dimensão destes factores não consegue explicar toda a magnitude da volatilidade actual dos preços, que variam de forma extrema e caótica.

Seria uma ingenuidade considerar que tudo não passa de um mero desajustamento entre oferta e procura. O FMI deu essa explicação, argumentando com o aumento da procura na China e na Índia. Porém, em relação ao comportamento dos"outros" mercados, os financeiros, e do efeito que desencadeou sobre as transacções internacionais das grandes produções agrícolas, nada disse. Aliás, os dados da FAO (em: http://www.fao.org/docrep/011/ai476e/ai476e04.htm) desmentem o FMI e demonstram que a produção e o consumo de trigo e cereais secundários obtiveram, no período entre 2007/08 e 2008/09, variações próximas, com aumento dos respectivos stocks em mais de 40 milhões de toneladas.

O que está em causa é a desregulação dos mercados que permite que a especulação manipule as variações na produção e no consumo de modo a alcançar o seu objectivo único de obtenção de lucros máximos, independentemente de se tratar de uma mercadoria essencial para a alimentação. A eliminação dos mecanismos reguladores dos preços alimentares foi exigida pelo Banco Mundial, pelo FMI e pelo então GATT, agora OMC, na linha da mais pura ortodoxia neo-liberal. Os Estados não se opuseram e os especuladores não se fizeram rogados, agradeceram.

Agora não vale dizer que a culpa é só do clima. A situação é demasiadamente grave para simplificações. O G20, sob a presidência francesa, reuniu no início do verão e decidiu tomar medidas para enfrentar esta crise. A França propôs um plano de acção centrado em cinco eixos principais: reinvestir na agricultura mundial para melhorar a produtividade agrícola, aumentar a transparência dos mercados, melhorar a coordenação internacional para prevenir e gerir as crises e regular os mercados de derivados de matérias-primas agrícolas.

No entanto, nada de concreto saiu da reunião, para além de uma declaração vaga. Melhorar a transparência dos mercados implicaria as maiores potências revelarem os seus stocks, mas para isso não estão disponíveis porque consideram que se trata de informação estratégica. Muito menos disponíveis estarão para a regulação dos mercados das commodities que continuarão ao sabor da especulação financeira.

O problema de tudo isto é que a fome e a miséria no mundo vão agravar-se, os povos dos países mais dependentes e economicamente mais débeis sofrerão mais privações e os trabalhadores das regiões mais desenvolvidas terão de acrescentar à austeridade e ao aumento dos impostos a carestia da generalidade dos produtos alimentares. As revoltas sociais não serão uma surpresa.

Pedro Soares

(Publicado na revista nº 26)

 

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