Ditosa Pátria Versão para impressão
Quinta, 03 Novembro 2011

(em registo semi-barroco como convém)BrigadaGaloBarcelos1

O ministro da defesa disse há dias, para justificar o esbulho orçamental, que lhe bastam os valorosos militares, dispensando os gastos em materiais e armas. Estaremos pois perante um novo conceito estratégico: o da horda bárbara ou da legião romana.

Artigo de Mário Tomé

Estaremos pois perante um novo conceito estratégico: o da horda bárbara ou da legião romana. Esta posição de Aguiar Branco, para além de se traduzir numa dura crítica aos submarinos pórticos, deveria abrir uma caixa de Pandora à fúria popular se o povo não estivesse endrominado por patrióticos soporíferos.

Fúria legítima face ao reconhecimento oficial sem peias de que a tropa não serve para nada, apenas para ter militares a soldo, arvorarem bandeiras, estandartes e guiões, espalharem medalhas entre si e a alguns dos que se lhe subordinam, distribuírem rancho fazendo concorrência sofisticada à sopa dos pobres e nas casernas abrigarem muitos dos que seriam obrigados a aderir à confraria dos sem-abrigo pelo esbulho sistemático e mafioso levado a cabo pelos que têm na pátria o altar onde se juntam em comunhão os burgueses besuntados com as gorduras que extorquem aos proletas e estes mesmos de língua estendida à espera da hóstia.

Assim, se bem entendo e me faço explicar, os proletários e quem deles se interessa têm que clarificar muito bem essa ideia de que os proletários não têm pátria, embora ainda se deixem esturricar em nome dela. Eu sei que os tempos são outros e agora o pessoal vai ganhar umas massas para matar e eventualmente morrer em missões de paz!

Ignorante, ignara e cínica, embrutecida pela republicana alienação nacionalista e colonialista, que persiste apesar do 25 de Abril, e pela ânsia de usura, a gens política burguesa espargindo, ainda não em TDT mas só faltam dois meses,  ideologia medieval simbolizada pela invocação cavaquista de D. Nuno Álvares Pereira, o mesmo fundo sentimento que levou o presidente a exaltar a raça portuguesa num recente 10 de Junho, mantém o povo trabalhador e consumidor na mais embevecida contemplação dos feitos dos nossos avoengos e sua reprodução hodierna a cargo dos condestáveis que nos orientam.

Por entre os protestos e choro patriótico de alguma esquerda, a  burguesia viu-se obrigada a acabar com o serviço militar obrigatório, desde a revolução francesa a única expressão adequada à chamada vontade nacional de defesa da pátria contra o inimigo externo. A massa recrutável deixou de se sentir material e espiritualmente afecta a tão nobre e fatal determinação superior, pois se não perceberam intuíram o que atrás ficou dito sobre a inadequação do conceito vigente de pátria às imposições modernas da finança e do imperialismo, naqueles povos e nações que se lhe submeteram e submetem em nome da dita.

A civitas e em especial a sua juventude, alheada mas embalada no mito, aceita todavia a permanência, embrulhada na reprodução, em estilo mercenário, da instituição inútil e parasita que proclama altivamente o paradoxo supremo: defendemos a Pátria às ordens dos seus inimigos!

Envolta em manto de estrelas de Nossa Senhora da Assumpção rivalizando com a Senhora de Fátima, com arrecadas do Minho, barrete e pampilho do Ribatejo, corridinho do Algarve, mazantino e cinta alentejanos, fado lisboeta, a tropa mantém-se firme na sua presunção de porta estandarte da alma nacional. Não sei se ainda é o espelho da Nação.

Já não falo da intelectualidade e dos artistas progressistas que, em geral quase total, perderam todo e qualquer sentido crítico espojando-se artística e sofisticadamente perante tudo o que cheire ao caruncho patrioteiro e, se não veneram, acham desapropriado dizer o que precisa ser dito sobre tão vetusta corporação. As excepções e ainda são algumas, limitam-se à crítica do exército colonial e às suas práticas.

Falo da esquerda. A burguesia e o seu sistema ideológico conseguiram encostar a esquerda à parede e travar a expressão clara do pensamento e da política de esquerda em relação às Forças Armadas. O 25 de Abril apropriado pela burguesia mas invocado pelo povo e reivindicado pela esquerda, transformou-se numa plataforma de dissolução da crítica. Falsamente atribuído às forças armadas, quando foi feito por um golpe dentro das forças armadas para liquidar o regime de que elas eram o pilar principal, o 25 de Abril tornou-se na grande armadilha.

A luta ideológica contra a burguesia o capital e o imperialismo passa, certamente, pela desmistificação e desmitificação das Forças Armadas e pela desmontagem do seu papel integrador e simbólico quando não passam de um instrumento encobridor, em última instância, da grande farsa que é o suporte patriótico para o apelo à unidade para aceitação não só da política de esbulho do povo e de liquidação das suas conquistas. Quer os próprios militares queiram quer não, é isso que se passa.

Quando o próprio governo anuncia que as FA’s não precisam de renovar os seus meios ele está a dizer que, se com esses meios elas não passam de um jogo para grandes, sem eles não passam de um jogo estragado.

Os militares unem-se legitimamente para defender os seus direitos adquiridos, como cidadãos fardados que são. Os orçamentos da troika não dão para lhes pagar dignamente e ao mesmo tempo comprar uns ridículos Pandur e helicópteros, quando os submarinos foram mais uma demonstração de irresponsabilidade se não também de corrupção.

É preciso que fique claro por parte da esquerda que, com ou sem troika,  Portugal não tem estatuto constitucional nem dinheiro para gastar na política criminosa de guerra do imperialismo.

Enquanto não se assegurarem os serviços públicos necessários à vida e à altura que o 25 de Abril projectou, Portugal não pode gastar com políticas e instrumentos de morte. E depois de os assegurar, os portugueses como já acontece lá bem no fundo, não vão querer participar em alianças agressivas e criminosas como a NATO.

A missão mais patriótica a atribuir às FA’s é que procedam calma e paulatinamente à «retracção do dispositivo». Ou seja que, garantindo a dignidade e os direitos dos seus militares, vão alijando o fardo que assumem com galhardia mas que não passa de areia para tapar o buraco de onde saiu, e que os meios a elas afectas, à excepção de um mínimo necessário para as únicas missões de soberania reais – vigilância da Zona Económica Exclusiva e do espaço aéreo para o qual já temos o sistema de controlo dos aeroportos, transporte de meios de vida e salvação para zonas de catástrofe onde a solidariedade internacional o imponha, e forças terrestres ao nível do batalhão de tropas especiais para acções de resgate – devem ser afectados ao reforço efectivo da protecção civil e ao desenvolvimento dos serviços públicos .

Estamos a tempo muito oportuno de lançar as bases legais para planeamento da reestruturação e reafectação dos meios para ser executada com tempo, paulatina mas firmemente.

A protecção civil está ávida e espera por grande parte deles.

E a esquerda não pode estar embaraçada pela tropa.

 

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