Em nome da troika, morte à democracia Versão para impressão
Terça, 10 Abril 2012

 

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Nos últimos meses temos vindo a assistir à implementação de um rol variado de medidas, na sua maioria, em “nome da troika”. O PSD usa o memorando de entendimento com a troika como álibi para legislar de acordo com os seus próprios ideais – o memorando irá sempre surgir como sendo a justificação suprema da obrigatoriedade da implementação das mais diversas medidas. Neste mesmo contexto surge mais um golpe à democracia – a questão da fusão/extinção das freguesias.

A reordenação administrativa das freguesias pode parecer, numa primeira análise, uma questão menor. Dir-nos-ão que questões como as alterações ao código de trabalho, aumento de impostos e tantas outras medidas é que merecem ser discutidas. Não descurando as mesmas, parece-me essencial dar o devido valor a esta questão e analisar o verdadeiro intuito inerente na sua aplicação e os problemas com os quais a mesma se depara.

Como tem vindo a ser hábito, esta proposta surge como uma nova forma de controlar a despesa do Estado, ao reduzir as freguesias e o seu aparelho administrativo. Esta é a primeira falácia. Numa altura em que o Estado “Gordo” é sobejamente criticado, esta medida terá um impacto reduzidíssimo na aplicação do Orçamento de Estado e, consequentemente, na diminuição da despesa – o argumento para a implementação desta medida é, portanto, pura demagogia. Por outro lado, a decisão de fusão ou extinção de freguesias deverá partir das próprias, visto que nem a Assembleia da República nem qualquer outro órgão legislativo pode fundir ou extinguir freguesias sem que estas o “solicitem”. A acontecer, tal seria inconstitucional. Desta forma surge o maior problema com o qual o Governo se depara – a vontade dos autarcas. Não existe aceitação por parte dos órgãos do poder local para “acatar” as ordens do Governo. Ora, esta situação vislumbra-se como um problema para Passos Coelho visto que grande parte da contestação a esta medida tem sido feita por autarcas do seu próprio partido.

Para além dos problemas levantados no que toca à sua eficiência, importa ainda referir o principal problema. A agenda escondida por detrás desta medida é facilmente descortinada. Ao reduzir o número de freguesias e ao ter no bolso a alteração na forma de eleição para a Assembleia Municipal, o Governo pretende reduzir a democracia local. Fá-lo-á de duas formas distintas. A primeira passa pela redução da representatividade dos partidos mais pequenos, ficando a representação partidária praticamente reduzida a PS e a PSD. Por outro lado, ao ser colocada em prática, esta medida levará à criação de um fosso ainda maior entre os cidadãos e os órgãos políticos.

É nas freguesias que reside a base das democracias e é nas freguesias onde o cidadão pode mais facilmente entrar em contacto com os responsáveis pelas políticas que influenciam o seu dia-a-dia. Para não falar ainda da questão cultural e de identificação local com a sua freguesia. O Documento Verde – e depois do projecto-lei apresentado pelo governo -  preparado por Miguel Relvas coloca as especificidades regionais para segundo plano de forma que se possa redesenhar o mapa de o nosso país a regra e esquadro como se tal se tratasse de um Tratado de Tordesilhas dos tempos modernos.

A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, sem consulta popular, um parecer favorável ao projecto de Lei do PSD e o mesmo começa a ganhar terreno. Por estas e por tantas outras razões impõe-se a necessidade da realização de um referendo popular. Os cidadãos devem ser auscultados e a sua opinião deve ser essencial neste que é mais um ataque à democracia. Um ataque feroz à democracia de proximidade em nome da troika, em nome dos interesses económicos instalados.

Cláudia Ribeiro

 

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