Parque Escolar e o discurso da Direita. Os recreios nas ruas Versão para impressão
Quarta, 06 Junho 2012

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Em 2007, em plena era Sócrates, com Maria Lurdes Rodrigues a assumir a pasta do então Ministério da Educação, chegam às páginas dos jornais um conjunto de medidas contempladas na política educativa do PS que visavam remodelar e reestruturar a Escola Pública. O foro de todas as propostas, que saíram na altura, era diverso e propunham uma completa renovação daquilo que era a Escola Pública, desde mudanças no estatuto do aluno, a reformas curriculares, até a novos modelos de gestão e autonomia.

Nessa altura, com o PS suportado pela sua maioria parlamentar conquistada em 2005, as medidas foram aprovadas. Na oposição a direita pouco falou, e quando entreviu deixou de lado um dos maiores ataques à democracia desde o 25 de Abril. Mas a esquerda não se esqueceu e fez lembrar os tempos, em que em vez de “Conselho Executivo”, se lia na porta do gabinete” Reitor”.

Nesse último modelo de gestão e autonomia de escola o PS acabou por andar para trás no tempo e voltou a concentrar a gestão da escola num director todo-poderoso, no entanto para que a medida não fosse demasiado radical acrescentou a esta reforma educativa também a constituição de um conselho geral, órgão plural, por onde passariam as grandes decisões e que nomearia o director, entre outras funções. Esse órgão, que embora plural, deixa muito a desejar em questões democráticas, foi o pretexto ideal para viabilizar a grande bandeira da política educativa do PS, a abertura da escola à comunidade.

E onde o PS escreve “comunidade” subentende-se, entre outras instituições, o sector empresarial da região. Desta forma possibilitou-se que o tecido empresarial português, como o grupo Sonae, o grupo Jerónimo Martins, ou até bancos como o Millennium BCP, tivessem assento neste conselho e portanto poder para intervir em qualquer decisão do rumo político da escola.

Se a ideia de que uma entidade privada, que nada tem a ver com educação, possa decidir, votar e opinar sobre qualquer assunto afecto a uma escola já é demasiado perturbadora, a ideia de que esses “agentes sociais” terão maior assento do que os próprios alunos (maioria da população escolar), é ainda mais revoltante. Nos primeiros tempos a contestação estudantil fez-se notar, no entanto o movimento  foiperdendo força, acabando por não mobilizar os estudantes.

Entretanto e após a queda do governo socialista, Nuno Crato veste a camisola do PSD e toma a pasta do ministério da Educação. E não foi preciso esperar muito para saber o que estava reservado por este executivo para esta matéria. A proposta de Crato é simples e passa pelo reforço dos poderes do Conselho Geral, que passará a avaliar o director que nomeou anteriormente. Mas não fica por aqui, a grande maneira de combater o défice democrático das escolas portuguesas passa, segundo o PSD, pelo afastamento de todos os agentes educativos não-docentes, do Conselho Pedagógico, órgão que regula a política educativa/pedagógica da escola. O neoliberalismo tem destas coisas, e por estes lados a falta de democracia combate-se com menos democracia. Mas nota-se, acima de tudo, um completo desrespeito pela classe estudantil que cada vez mais é afastada dos centros de decisão, acabando por perder toda a motivação para construir um espaço que também deveria ser seu.

Custa-nos a crer, a nós, dirigentes associativos que ainda não perderam a resiliência e a vontade de lutar, que seja esta a escola do século XXI. Não é esta fábrica de precários, cada vez mais controlada pelo grande capital, que queremos.

E é aqui que a questão ideológica entra, na apreciação do valor que tem a instituição que é a escola na actual sociedade e de que maneira pode ela jogar a favor da luta de classes. E a resposta é simples, a escola não é mais do que uma poderosa arma, controladora e emancipatória da luta de classes. Mas ela deve servir o povo e os interesses do proletariado. E não deve nunca estar do lado do grande capital, subjacente à ambição do lucro e gerida pelos, mais básicos e falaciosos, princípios capitalistas. A luta pela escola pública é também uma luta de todos e para todos, e se neste momento ela está mais para lá do que para cá, cabe nos a nós reverter a situação.

Parque Escolar: Remodelar ou privatizar?
No mesmo ano de 2007, em plena reforma educativa levada avante pelo partido Socialista, eis que surge a Parque Escolar, criada pelo Decreto – Lei n.º 41/2007, de 21 de fevereiro, esta pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio e sujeita à tutela dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da educação. A ideia era simples, remodelar as escolas, pintá-las com tinta fresca e usar tudo isto como propaganda eleitoral. O PS como defensor da Escola Pública!

Mas não era essa a principal vantagem da Parque Escolar, ao fundar esta colectividade de direito público mas de natureza empresarial, José Sócrates acabou por hipotecar o futuro do ensino português, já que qualquer escola abrangida pelo programa de remodelação via-se automaticamente presa a um contracto de quase “arrendamento” da Escola Pública a esta entidade empresarial.

E cada vez mais numa escola que já não era nossa, começaram a aparecer os primeiros problemas, desde erros técnicos na construção até ao uso de materiais de fraca qualidade, para não mencionar a irregularidade e inconsistência do projecto, onde se investia num sistema de ar condicionado topo de mercado e se deixava um gimnodesportivo sujeito às condições climatéricas, já que não estava contemplado que esse pavilhão tivesse paredes…

No meio disto tudo o PS continuou a usar a Parque Escolar como forma de propagar uma mensagem que era acima de tudo falaciosa, já que não se investiu na educação nem no serviço publico investiu-se sim numa forma de tornar a privatização do sistema educativo uma realidade mais próxima e simples.

Pois a verdade é que ao criar a Parque Escolar o executivo vigente pões em risco um dos maiores valores que um estado democrático pode ter, o direito à educação, dado que uns tempos mais tarde tínhamos a troika a reunir em Portugal e a planear uma série de privatizações, e nada nos indicava, na altura, que a Parque Escolar não estaria incluída numa dessas “vendas”. De um momento para o outro o PS conseguiu arranjar forma de reunir e centralizar todo o sistema de ensino, criando uma entidade empresarial, facilmente privatizável, que tomava posse das Escolas Portuguesas.

Todavia, Sócrates caiu, mas as políticas ficaram, e quando o PSD tomou posse optou por não desmantelar de imediato a Parque Escolar, preferindo esperar pelas auditorias do Tribunal de Contas (TC) e da Inspecção-Geral de Finanças (IGF), esperando, provavelmente, retirar dividendos políticos que poriam em causa a gestão da Parque Escolar e o próprio PS. As auditorias tornaram-se públicas e rapidamente começaram a encher as páginas dos jornais.

Detectou-se um aumento superior ao triplo do orçamento inicial (940 milhões de euros), e verificou-se uma estrondosa falha nos objectivos previstos, apenas 205 escolas foram reabilitadas, em vez das 332 previstas.

A Parque Escolar falhou logo no início como projecto de defesa e de reforço da Escola Pública mas falhou também como simples projecto de remodelação da rede escolar. Infelizmente o PSD só se apercebeu disso este ano, quando todos os sinais eram visíveis já há bastante tempo. A social-democracia tem destes oportunismos, porque eles sabem o valor que a escola tem, e sabem acima de tudo que privatizar o ensino exige manobras deste género, ainda virão muitas Parques Escolares, mas nós estaremos cá para as desmascarar e derrotar.

O PS, a 3ª Via e a criação do espaço político à Direita
O que nos é imposto agora não é mais do que perceber qual o papel político que o «socialismo democrático» desempenha no plano europeu.

Agora é tudo mais fácil para a extrema direita (Le Pen, Haider, etc), que viu ser-lhe entregue o discurso da esquerda pois assumem-se agora como um discurso anticapitalista, que os sociais liberais deixaram cair para incorporarem agora o discurso dessa tal esquerda moderna de Blair e Clinton - «a política fiscal estrita»; hoje «a austeridade inteligente».

Tal como nos diz Zizek, a «verdade da posição de Haider não reside na identidade do New Labour e da Nova Direita, mas no facto de o seu populismo ser gerado pela estagnação do conjunto da social democracia europeia».

Resumindo, o projecto de requalificação da Escola Pública levado a cabo pelo PS em Portugal significou a abertura de um tremendo espaço para a Direita poder escolher até entre os seus dois discursos: por um lado justificar a austeridade sobre mais austeridade e, por outro, estar á vontade para impor ideologicamente no senso comum a lógica da privatização como sinónimo de melhor gestão, ainda que tenho sido o PS que tenha aberto os serviços nas escolas á exploração privada.

É este o preço da esquerda ter deixado de parte um projecto radical que ponha em causa o capitalismo de mercado e ter deixado que a política caia na escolha entre ver a Quadratura do Círculo na Sic Notícias ou o Prós e Contras na RTP; ou se investe com parcerias públicoprivadas para «modernizar» a escola, despindo a escola de democracia e deixando a SONAE deicidir mais do que os estudantes nos Conselhos gerais das escolas ou se leva a cabo o sonho da burguesia financeira e desistimos de uma vez por todas de qualquer tipo de investimento público, onde o Estado reflectirá apenas um papel de Santa casa da Misericórdia, facultando uns tantos cheques-ensino para quem não tem dinheiro para pagar a sua educação na totalidade.

O projecto da esquerda radical não pode fugir do romper com o consenso do social e neoliberalismo,
não só para derrotar as lógicas da austeridade troikianas mas também para não permitir que a direita fascista ganhe espaço político num contexto de crise social e económica.

Perceber a luta política como um espaço de dissentimentos é essencial para reverter a hegemonia cultural das ideias liberais. Onde cada vez mais a democracia exige tomadas de posição antagónicas ás lógicas austeritárias.

Aqui como no resto da Europa, as parques escolares só podem ser vencidas com recreios nas ruas.

André Moreira e Luís Monteiro

 

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