Nos EUA também há esquerda Versão para impressão
Sexta, 02 Novembro 2012

99pcentNos Estados Unidos da América há muitos pobres e milionários muito ricos. A desigualdade é das mais gritantes no planeta. O Estado Social não existe. Há quem se manifeste e grite "somos os 99%". Por isto e por muito mais não podia deixar de encontrar a esquerda nas suas mais variadas expressões.

Artigo de Nelson Peralta

Jill Stein e Cheri Honkala são candidatas a presidenta e vice nas eleições americanas da próxima terça-feira. Ambas vieram do ativismo social, a primeira no ambiente e na saúde pública, a segunda na pobreza e nos sem-abrigo. Contam com o apoio do Partido Verde, da Alternativa Socialista, de Noam Chomsky, de Ralph Nader, entre muitos outros ativistas e coletivos. Durante a campanha eleitoral foram já detidas duas vezes, uma num banco enquanto participavam num protesto sit-in contra despejos e uma outra ao tentarem invadir um debate presidencial a dois, em protesto com a exclusão de todos os outros candidatos.

Na "terra dos livres e da abundância" o acesso à democracia é extremamente dificultado. O primeiro desafio de qualquer candidato é conseguir o seu nome nos boletins de voto. Para tal é necessário dinheiro, seja para pagar essa inscrição seja para recolher as imensas assinaturas, por vezes a nível de todos os condados do Estado. Nalguns Estados, mesmo não constando nos boletins, os seus votos são contabilizados se o eleitor escrever o nome à mão. Noutros Estados podem ficar de fora da corrida. Na prática, a lei deixa de fora os Democratas e os Republicanos destas exigências que até facilmente concluiriam e, em geral, ainda lhes dá o exclusivo do parco financiamento público. Não há tempos de antena e o tempo televisivo custa ouro e mesmo colocar cartazes na rua paga taxa.

Neste aspeto a candidatura de Stein, que defende uma extensa reforma da própria democracia (com sistema proporcional e não maioritário) e que recusa donativos de empresas conseguiu já uma grande vitória: tem o seu nome em quase todos os boletins de voto.

O pleno emprego é um objetivo declarado através da reconversão para as energias renováveis, da resposta às alterações climáticas e aos problemas ambientais. Para financiar este plano há que reduzir os gastos militares, reduzir o desperdício nos seguros de saúde privados e aumentar os impostos sobre o capital, os offshores e o património imobiliário de luxo. Para trabalho igual salário igual. Para o salário mínimo dignidade. As propostas de Stein e Honkala não são meigas para o sistema.

A justiça na economia começa com a nacionalização da Reserva Federal

Propõem a nacionalização da Reserva Federal (o banco central norte-americano, paradoxalmente privado) para haver controlo público sobre a política monetária e a criação de crédito. A banca privada perde o poder de criar dinheiro. Não há mais resgates à elite financeira e os bancos falidos poderão mesmo ser reabertos como bancos públicos se possível. A fábula dos bancos "demasiado grandes para cair" é para acabar, todos eles deves ser divididos a começar pelo privado Bank of America. A banca comercial e a banca de investimento têm que estar separadas.

Defendem a reescrita de toda a fiscalidade do país, garantindo a progressividade, a proteção de quem menos tem e o contributo efetivo dos ricos. Todos devem ter direito a bens que querem públicos: aquecimento, eletricidade, telefone, internet e transportes coletivos. As infraestruturas essenciais como as auto-estradas, a ferrovia, a rede energética, o sistema de águas, as escolas, as bibliotecas, a internet devem resistir à privatização e à gestão para o lucro.

Um estado social e, por comparação, um milhão de prémios Nobel da Paz

Para além do corte para metade no orçamento do Pentágono, propõem o fecho de 140 bases militares no estrangeiro e o fim das guerras do Iraque e do Afeganistão com retirada dos militares e dos mercenários. Iniciativas de desarmamento nuclear, fim dos ataques com drones e dos assassínios como instrumento de política externa. O Patriot Act é para rasgar e as liberdades civis para proteger. Em suma, querem reduzir a dependência do petróleo e respeitar os direitos humanos e a lei internacional.

Educação pública sem propinas desde o jardim-escola ao secundário, advogam. Perdão para a dívida existente dos estudantes. Saúde para todos através do Medicare (seguro público não lucrativo onde o risco é repartido por toda a sociedade e não consoante a saúde de cada um). Para a habitação haverá uma moratória para que ninguém seja despejado e vários programas até que cada pessoa possa aceder a uma casa a menos de 25% do seu rendimento.

Onde há a mais profunda violência social a esquerda é indispensável

A candidatura tem bastantes propostas claras também no que se refere ao ambiente, à energia, à justiça, à imigração e à barbárie da pena da morte. São propostas radicais e de rutura com o status quo norte-americano. São propostas que quer Obama quer Romney não podem nem querem defender. Eles são os rostos do 1% e tudo farão para que a democracia se mantenha bem longe dos cidadãos, que a desigualdade seja o motor da sociedade e que a violência seja o dia-a-dia de tantos povos.

A esquerda norte-americana não se esgota em Stein e Honkala, há outros candidatos que concorrem em poucos Estados, outros que terão ficado pelo caminho e muitas mais ativistas que estão nas ruas e nas lutas de todos os dias. Mas pensar que a esquerda é dispensável onde o abuso é tão forte é uma fantasia. Julgar que a solidariedade da esquerda pode faltar à esquerda onde e quando ela mais precisa não será seguramente um exercício útil.

Como Jill Stein disse, "os eleitores não serão forçados a escolher entre dois servos de Wall Street na próxima eleição"...

 

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