Das resistências ao contra-ataque Versão para impressão
Quarta, 15 Maio 2013

editorial 29O 25 de Abril de 1974 foi um momento ímpar na história de Portugal em que o povo saiu à rua e se tornou um dos atores principais da Revolução. A magnífica manifestação do 1.º de Maio de 1974 é a imagem da força transformadora do povo. No período revolucionário Portugal foi palco de inúmeras manifestações populares de rua resultado da libertação do fascismo. A paz com a exigência do fim da guerra colonial, o debate sobre a democracia, a organização do Estado, juntava nas ruas militares, dirigentes políticos saídos da clandestinidade, trabalhadores, coletivos de mulheres e um grande número de jovens que queriam ter uma palavra na construção do Portugal livre.

Neste período conquistaram-se direitos políticos e sociais que transformaram o país numa democracia moderna. O movimento operário e popular conseguiu a tomada total dos sindicatos corporativos e reforçou, com muita luta e visões políticas diferentes entre si, a já existente Intersindical, hoje CGTP-IN. Impôs o direito à greve, reivindicou e conseguiu o aumento geral dos salários e a Lei do Salário Mínimo Nacional, ao mesmo tempo organizava e construía por si só o movimento das Comissões de Trabalhadores, que muitas vezes assumiam de forma forçada a gestão das empresas, devido à fuga dos patrões, e exerciam da melhor maneira que podiam e sabiam o controlo operário, que ainda hoje figura na lei das CT's. Nos bairros eram constituídas Comissões de Moradores que de forma democrática e participativa lutavam pelo direito a uma habitação condigna. Era o tempo da luta pela Paz, o Pão, a Habitação.

O golpe de 25 de Novembro pôs um travão nas conquistas sociais e as lutas passaram a uma fase de resistência que ainda hoje vigora. As transformações nos movimentos sociais e as pequenas vitórias que se vão conquistando são sinais de esperança de que se consiga avançar para um patamar de luta superior. Todas as lutas de resistência são no entanto de grande valor porque resultam do esforço de grupos e coletivos que nunca desistiram de lutar pela democracia, pela liberdade e pela justiça. Durante um período as organizações sindicais e os partidos políticos foram as únicas organizações capazes de intervir publicamente, mobilizar pessoas para ações de rua a uma escala suficientemente grande para ser ouvida enquanto alternativa às políticas e opções do poder vigente. Esta capacidade era circunscrita a momentos particulares, nomeadamente às campanhas eleitorais. No entanto as lutas de resistência nunca desapareceram completamente, apenas se tornaram menos visíveis por causa da sua incapacidade de mobilização e projeção.

A central sindical CGTP tornou-se praticamente, e durante muito tempo, na única organização capaz de encher as ruas de gente em protestos nacionais. Garantia da realização dos desfiles do 25 de Abril, é de registar aqui que, de uma forma solidária, as mais diversas organizações se juntam numa comissão organizadora para assinalar esta data significativa para todos nós. Também no 1.º de Maio, promove eventos de rua e encontros de reunião da massa trabalhadora. Sendo verdade que, apesar de juntar muita gente, a inclusão de outros movimentos organizados nem sempre é bem aceite pelos sindicatos o que acaba por travar a unidade com as novas resistências que entretanto se foram criando.

A expressão pública organizada de novas resistências surge, em parte, da organização de campanhas específicas. Um exemplo de uma luta, que nunca saiu das agendas de protesto mas, esteve durante muito tempo reservada ao debate interno em associações de mulheres, grupos feministas, partidos políticos e em alguns grupos de profissionais da saúde, foi a questão da interrupção voluntária da gravidez.

O primeiro referendo em Portugal, sobre a despenalização do aborto, foi realizado a 28 de Junho de 1998 e tornou público o debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Os resultados da campanha não permitiram a alteração da legislação e exigiu novo referendo. No entanto as pontes e os laços criados entre movimentos sociais, grupos de cidadãos, partidos políticos e diferentes sectores da Igreja, permitiu que o debate público continuasse acesso e o segundo referendo foi realizado em 11 de Fevereiro de 2007. A campanha do segundo referendo sobre o aborto mobilizou muito mais pessoas e meios. Segundo dados da Comissão Nacional de Eleições, os grupos de cidadão envolvidos na campanha entregaram processos de legalização com vista à participação nos tempos de antena e reuniram um total de 260.000 assinaturas, cinco vezes mais o número de assinaturas recolhidas sete anos antes. Foram autorizados 19 movimentos, cinco pelo "sim" e 14 pelo "não" e na campanha participaram também dez partidos e coligações incluindo o Bloco de Esquerda que apoiou o SIM resposta que acabou por recolher o maior número de votos e vencer o referendo. A dinâmica criada na campanha pelo referendo deu visibilidade ao papel das associações e movimentos sociais enquanto atores políticos e sujeitos de transformação social papéis até então dominados por partidos políticos e organizações sindicais.

A luta pela interrupção voluntária da gravidez marcou a sociedade portuguesa e a vitória dos movimentos que lutaram pela despenalização do aborto fomentou outras lutas pelos direitos das mulheres mas também por outros direitos. A lenta transformação da luta viu nascer pequenos protestos, várias organizações e associações e movimentos sociais com expressão pública relacionados com transformações sociais. Na década de 90 são vários os movimentos ambientalistas que promovem ações locais e nacionais e a realidade da imigração dá também origem a associações de imigrantes e a lutas em defesa dos direitos dos imigrantes.

As mudanças noutros países influenciaram também um novo ciclo de mobilizações em Portugal. Após os eventos de Seattle em 1999 e do nascimento do Movimento dos Fóruns Mundiais realizou-se, primeiro em 2003 e depois no ano de 2006, o Fórum Social Português. O Fórum Social Português envolveu, na sua construção e nos debates, vários movimentos sociais ditos tradicionais, novos movimentos sociais, académicos e Universidades, partidos políticos de esquerda e cidadãos que se juntaram ao movimento internacional alter globalista. Os fóruns foram importantes para a reafirmar o potencial e a necessidade de juntar forças para 'resistir' à financeirização da economia global e as consequências para o planeta e para as pessoas procurando alternativas à globalização neoliberal. E nesta altura que no panorama político surge um novo partido, o Bloco de Esquerda, que veio contribuir para engrossar as lutas de resistência e propor alternativas.

Também à escala de movimentos globais existe em Portugal desde 2007, o Mayday. Os trabalhadores precários e diversas associações de precários, de mulheres, de imigrantes e outras dinamizam anualmente um conjunto de atividades que culminam na participação em bloco no desfile do 1.º de Maio organizado pela CGTP. O Mayday tem sido um dos movimentos de resistência mais constantes desde 2007. Resulta de iniciativa assembleísta e dissolve-se após o 1.º de Maio sendo um marco na luta de resistência por direitos laborais. É uma resposta e um meio de organizar colectivamente trabalhadores precários, sem contrato e outros problemas para os quais os sindicatos não têm resposta e que permite mobilizar pessoas para a Manifestação do 1.º de Maio às quais os sindicatos não chegam. A expectativa é que em 2013 este grupo venha a ser ainda maior dada a degradação das condições de trabalho e o brutal aumento dos desempregados e da exploração em geral e que tenha um papel mais ativo no combate pela conquista de direitos.

Em 2008/2009, os professores deram um sinal da necessidade de passar a luta para uma escala maior, e com maior visibilidade, e foram mais de 100 mil os que saíram à rua por duas vezes em defesa da sua carreira mas iniciando um protesto de defesa da escola pública que se alargou a professores não sindicalizados, a estudantes e a elementos da sociedade civil, sem vínculo à profissão, defensores do modelo de escola pública. Sendo fundamental o papel das organizações sindicais na resistência as manifestações realizadas neste período foram muito participadas por não docentes e a defesa da escola pública cresceu.

A Geração à Rasca foi, no contexto das resistências um passo em frente na preparação de um contra-ataque às políticas do governo de então. Um grupo de jovens, desempregados, com formação superior, fartos da situação e com vontade de mudança, souberam ler a situação do país e, a partir da internet, envolvendo depois diversas pessoas e associações, convocaram o protesto da Geração à Rasca que no dia 12 de Março de 2011 juntou cerca de 500 mil pessoas nas ruas de Lisboa. Usando as novas tecnologias de informação e as redes sociais conquistaram um número de apoiantes e elevaram o debate nas redes sociais de tal modo que chamou a atenção à comunicação social que, em peso, acompanhou os dias que anteceram o protesto e o protesto em si. Este dia relançou a mobilização social para o protesto e para a resistência e teve a capacidade de juntar gerações diferentes, trabalhadores com vínculo e trabalhadores precários, desempregados, homens e mulheres que trouxeram a política para a rua e exigiram a mudança de rumo do governo em nome de um futuro melhor para todos.

A tendência para o reforço das solidariedades internacionais, as relações estreitas entre alguns movimentos europeus de resistência, e o suporte da convocação de um dia de Acão global, permitiram que diversas pessoas e organizações voltassem às ruas, no dia 15 de Outubro, noutro grande protesto de rua, com expressão pública e exposição mediática. Os movimentos de ocupação e acampada que proliferam na Europa e até nos Estados Unidos tiveram neste período um conjunto de ações e projetos que se mantem através de diferentes coletivos como por exemplo os Indignados. A indignação popular e o aumento da pobreza, da desigualdade e das injustiças, face à opção do governo em aplicar políticas de austeridade, ao coro de vozes de instituições europeias em defesa da austeridade e à intervenção do FMI, permitiu o protesto massivo nas ruas e a expressão pública de descontentamento e desacordo com este caminho. Permitiu e potenciou também a criação de novos grupos e estratégias de resistência.

Em Dezembro de 2011, realizou-se um encontro, em Lisboa, que lançou a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública e que, desde então, tem vindo a analisar a dívida pública e a reclamar a necessidade de uma renegociação com os credores que permita reduzir o peso da dívida pública. Na resolução do 1.º Encontro Nacional da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública, que data de 19 de Janeiro, constatam a urgência de reestruturação da dívida pública, sugerindo que o governo estenda a maturidade dos empréstimos, procure reduzir as taxas de juro e negoceie a redução do capital em dívida. Este grupo propõe-se ainda a reforçar a ligação aos movimentos sociais e a apoiar tecnicamente iniciativas que nasçam da sociedade civil em defesa da transparência das contas públicas e do reforço da participação cidadã na fiscalização das instituições. Esta iniciativa é um claro esforço de resistência às políticas de austeridade mas esboça já um contra-ataque organizado no seio da sociedade civil.

A Iniciativa Legislativa de Cidadãos por uma Lei Contra a Precariedade juntou vários movimentos sociais numa Acão que vai muito para além da resistência e propõe medidas concretas em defesa dos direitos dos trabalhadores. Os promotores e as dezenas de milhares de pessoas que subscrevem esta iniciativa continuam a insistir que o Parlamento aprove esta legislação e não aceitam qualquer intenção de alterar o sentido da mesma. Depois de provarem a sua capacidade de mobilização e do esforço de recolha de assinaturas estão agora empenhados na aprovação da proposta que seguiu para debate na especialidade sem votação no Parlamento. A produção de materiais escritos e audiovisuais, a mobilização de equipas para recolha de assinaturas na rua, foi uma tarefa monumental que permitiu criar proposta concreta e preparar muita gente para a intervenção pública e política essencial para mobilizar a sociedade portuguesa em torno da luta contra a precariedade.

O 'Que se Lixe a Troika' veio mostrar que a resistência às políticas de austeridade tem espaço e gente para crescer. No dia 15 de Setembro de 2012 cerca de um milhão de pessoas saiu à rua em protesto. Em diversas cidades do país houve concentrações simultâneas. A manifestação mostrou claramente que o povo está contra as medidas austeritárias impostas pelo governo e pela troika e teve uma vitória imediata ao obrigar o governo a recuar nas alterações à Taxa Social Única. As pessoas que convocaram este protesto (artistas, dirigentes sindicais, dirigentes de associações e movimentos sociais e dirigentes políticos) preparam já outra iniciativa para dia 2 de Março deste ano centrada na democracia, na participação e contra a austeridade sob o lema 'Que se lixe a troika – O Povo é quem mais ordena!' Esta manifestação fará soar novamente a voz do povo e o desacordo com as novas medidas de austeridade e empobrecimento inscritas no orçamento de estado para 2013 e as novas propostas do FMI que em sintonia com o governo atentam contra os direitos do trabalho e procuram destruir os serviços públicos.

É justo realçar que as pequenas e grandes lutas, desde sempre levadas a cabo pelo movimento sindical, particularmente pela CGTP, tiveram uma enorme importância na resistência ao longo de vários anos. Mais recentemente promove-se a resistência às medidas de cortes brutais e ataques violentos aos direitos dos que vivem do trabalho que vêm dos malfadados PEC's do governo Sócrates, agora agravadas pelas imposições da Troika, que o governo Passos/Portas leva à prática com tanto gosto. Este governo não mostra um pingo de sensibilidade social e, com a sua cegueira ideológica, conduz ao empobrecimento, miséria e fome a grande maioria dos cidadãos, "custe o que custar". As últimas quatro Greves Gerais, feitas em contextos e condições diferenciadas, foram momentos altos desta luta de resistência.

A Greve Geral de 24 de Novembro de 2010, juntou as duas centrais sindicais ao fim de 22 anos e teve um caráter e uma amplitude política que a este nível lhe garantiu o sucesso. Pela primeira vez, realizaram-se concentrações em várias cidades do País, com destaque para o concerto do SPGL na Praça da Figueira. A participação do movimento dos precários nos piquetes em alguns locais onde a precariedade e os baixos salários são obstáculos ao exercício do direito à greve, contribuiu para romper barreiras e potenciou a adesão. A greve venceu o medo!

Em 24 de Novembro de 2011, manteve-se a convocatória conjunta das centrais e a Greve Geral foi uma forte resposta às medidas de austeridade que o governo PSD/CDS anunciava, como o aumento do horário de trabalho e o roubo dos subsídios de Natal e Férias. Voltou-se a ocupar as ruas e praças por todo o País e em Lisboa houve uma manifestação para a Assembleia da República, onde os movimentos sociais participaram ao lado do movimento sindical.

No dia 22 de Março de 2012 a CGTP é acompanhada nesta luta por sindicatos independentes e filiados na UGT. A central, que após capitular vergonhosamente no dia 18 de Janeiro ao assinar o chamado Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, não emitiu pré-aviso de greve e pôs-se ao lado da Troika. Estava em causa uma alteração profundíssima do Código do Trabalho e cortes nos orçamentos da Saúde e Educação, ataques ao setor empresarial do Estado, que representavam um enorme retrocesso civilizacional e um ajuste de contas com as conquistas do 25 de Abril. A Greve Geral foi um acto de dignidade e de coragem assente na convicção de que não há inevitabilidades e se pode mudar o presente e ganhar um futuro melhor para todos.

A Greve Geral de 14 de Novembro de 2012, à escala nacional, foi construída na unidade de ação com muitos sindicatos filados na UGT que convergiram na luta, somando, à convocatória da CGTP para responder à proposta do Orçamento de Estado/2013, que continha um agravamento brutal de impostos, o maior depois do 25 de Abril de 1974. A ameaça da "refundação do Estado", com um anunciado corte de 4,4 mil milhões de euros nas funções sociais do Estado e um potencial despedimento de 70 mil funcionários públicos e do setor público foram algumas das razões para a greve. Esta greve foi muito expressiva, com uma acentuada vertente política e uma marca forte de cidadania. O protesto popular continuou a sair às ruas. Em Lisboa o governo atacou o direito de manifestação, ordenando uma carga policial sobre milhares de cidadãos, tentando com isso diminuir o impacto da greve e incutir o medo.

Mas a Greve de 14 de Novembro foi também o dia da Greve Ibérica, a primeira greve internacional do século XXI. Foi um dia histórico para o movimento sindical europeu, alcançou-se um novo patamar de luta que importa manter e potenciar em futuras ações.

Para Março está em marcha a preparação duma nova grande mobilização sindical, convocada pela CES, aberta às plataformas e redes das organizações sociais de vários países da Europa. Será que este caminho de "resistência" nos levará a um contra-ataque com a envergadura duma greve geral europeia contra a austeridade?

O dia 16 de Fevereiro a convocatória da CGTP, será mais um momento de resistência descentralizada em dezenas de cidades de Portugal que trará á rua milhares de cidadãos que exigem outra política e o derrube do governo.

As resistências são múltiplas e variadas, com maior ou menor grau de mobilização popular e capacidade de ter visibilidade mediática e expressão nas ruas. O certo é que todas não são demais, para à sua maneira contribuírem para juntar forças contra esta maré de austeridade e autoritarismo que nos empurra cada vez mais para o fundo em termos económicos e sociais. Todos contam, ninguém pode ser excluído.

Ana Cansado e Francisco Alves

A Comuna. 29 (janeiro-março 2013) 13-18.

 

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