O poder social do design |
Terça, 21 Maio 2013 | |||
Gui Bonsiepe, designer e professor de origem alemã, afirma que "a pessoa do designer adquiriu mais importância que o próprio design" e que é hoje possível assistir-se a uma verificação do crescimento anómalo do autorreferencialismo no seio deste campo de atividade.
O Autorreferencialismo Gui Bonsiepe, designer e professor de origem alemã, afirma que "a pessoa do designer adquiriu mais importância que o próprio design" e que é hoje possível assistir-se a uma verificação do crescimento anómalo do autorreferencialismo no seio deste campo de atividade. Tal fenómeno dá-se, julgo eu, tanto pela proximidade do design à arte (tornando-se comum o erro da perceção deste enquanto forma de expressão pessoal), como pelo culminar de uma absorção dos atuais paradigmas ideológicos de mercado - em especial, no que à competitividade e lógica de individualismo diz respeito. A necessidade de afirmar a diferença face aos seus pares relegou para segundo plano aquelas que deveriam ser as principais funções do design - um serviço responsável à sociedade, ao invés de uma mera ferramenta de expressão e criatividade pessoal, surgindo-nos assim o ego em detrimento da função. Este grupo afirma a neutralidade do design face às questões sociais, éticas e ecológicas. Porém, surgindo inserido no contexto da atividade humana, até que ponto se poderá falar de uma verdadeira neutralidade do design? Até que ponto a sua suposta neutralidade não age apenas enquanto um silenciador de consciências, permitindo ao design um crescimento egoísta? Esta lógica gera design que se preocupa apenas com a forma, com a expressão de um individualismo incompatível com os conceitos de responsabilidade social. Ignora, aliás, um dos polos da dupla dimensão de qualquer artefacto, que, como escreve a historiadora Raimonda Riccini, possui, para além da dimensão instrumental, a dimensão simbólica - condicionada, impreterivelmente, pelo contexto cultural, político, social, religioso, etc que lhe surge associado. Daqui se retira a conclusão que seja uma falácia a assunção de uma verdadeira neutralidade do design. As consequências desta explosão do ego no design encontram, segundo Victor Papanek, designer e professor de origem austríaca, a sua expressão máxima na cisão entre o design e a população. Promovendo a ideia de uma expressão egoísta da criatividade artística do designer, esta disciplina surge, atualmente, associada a um conceito de beleza criado pela cultura dominante. O Papel Actual do Design Antecedendo o ato da exploração do papel atualmente desempenhado pelo design, interessa proceder a uma pesquisa histórica, isto é, perceber a sua génese e evolução primordial, ainda que de uma forma breve. Apesar de, oficialmente, a história do design começar apenas em 1919 com o surgimento da Bauhaus de Walter Gropius, podemos traçar as suas origens ao século XIX e associá-la aos nomes dos pensadores John Ruskin e William Morris, que, na época Vitoriana, refletiram sobre questões da arte, arquitetura e design relevantes ao pensamento do contexto em estudo. Ambos se identificavam com uma posição fortemente anti-capitalista. John Ruskin (8 de Fevereiro de 1819 - 20 de Fevereiro de 1900) estabeleceu-se enquanto crítico de arte, pensando já, com relativo interesse e preocupação, questões ambientais e de sustentabilidade. Ruskin acreditava que a melhoria estética do mundo poderia contribuir para a sua melhoria social. William Morris (24 de Março de 1834 - 3 de Outubro de 1896), designer, artista, escritor e notável pensador socialista, considerava as artes como algo ideologicamente democrático, alargado e multidisciplinar, criticando a separação das mesmas do público em geral, e acusando-as de individualismo. No seu trabalho editorial, procurava a unidade entre todos os elementos da página, refletindo assim, graficamente, as suas posições políticas. Convém referir, no entanto, que muitas vezes as soluções por ele encontradas no combate à produção em massa pecavam pela não satisfação dos seus pressupostos ideológicos, caindo mesmo numa certa elitização. Porém, o que importa daqui reter é a natureza fortemente socialista do pensamento de ambos, que tanto influenciou o desenvolvimento da disciplina do design. Assim, em 1919, surgiu a Bauhaus, cujo objetivo passava pela administração de um ensino direcionado para o socialmente útil, para a construção de uma realidade tecnológica que contribuísse para a melhoria social e ambiental. Após o seu encerramento, surgiu a Escola de Ulm, contemporânea à explosão dos media. Inserindo este contexto no seu programa, esta escola procurava estudar a relação do design com a ciência, removendo do seu currículo disciplinas ligadas ao movimento Arts and Crafts. Como podemos então verificar, na sua génese, o design (embora nem sempre a prática refletisse a teoria) surgia fruto de uma preocupação política assumidamente socialista, refletindo nos seus processos a inclusão de um pensamento eticamente responsável. Como podemos explicar, então, a apropriação das ferramentas persuasivas do design pelas estratégias de marketing, que as trata, segundo Bonsiepe, como "auxiliares de segunda ordem"? De acordo com o autor supracitado, existirá, para além da sobreposição cronológica, uma relação entre a expansão neoliberal e a atual postura do design. Apesar da resistência inicial oferecida a este processo, a comunicação visual deixou-se, gradualmente, infetar por uma lógica de capitalismo neoliberal e segue agora, segundo Victor Papanek, direções que podem ser resumidas da seguinte forma: o design gráfico é, hoje em dia, utilizado enquanto ferramenta de persuasão ao consumismo desenfreado, através da promoção de estilos de vida associados a determinado produto, caracterizando-se a sua linguagem enquanto elitista, uma vez que o "bom gosto" do designer é o "bom gosto" da classe dominante. Servindo principalmente o motor que alimenta o consumo, a comunicação visual ajuda a perpetuar mitos adjacentes à lógica capitalista. Assim procedendo, o designer de comunicação desliga do seu trabalho possíveis preocupações éticas. Isto é, concorre diretamente para o estabelecimento de uma determinada ideia, promovendo visualmente um conjunto de conceitos e princípios que, à custa de tal divulgação, deixaram de ser questionados e são hoje parte da construção da narrativa hegemónica. Poderemos traçar as origens desta instrumentalização por parte da classe dominante ao período da I Guerra Mundial - a publicidade como hoje a entendemos registou aqui o seu nascimento. Segundo Joshua Blackburn, no seu artigo "Design can Save the World", não é coincidência que o pai da publicidade moderna tenha sido também o chefe de propaganda do departamento de guerra dos EUA. Este processo permitiu às corporações a perceção do verdadeiro poder influenciador do design, pelo que foi a partir daí que o passaram a utilizar enquanto ferramenta integrante do seu processo de expansão económica. Concluindo, esta falta de transparência nos processos de comunicação visual, posta ao serviço de interesses mercenários, choca em todas as frentes com as suas origens socialistas, faltando-lhe honestidade até na admissão da sua actual postura política, negada em prol de uma neutralidade inexistente. O Poder do Design Educados e habituados a uma lógica de imediatismo, as nossas ações refletem a necessidade de uma satisfação a curto-prazo. Gradualmente mais sequiosos de estímulos, perdemos a noção de consequências que se traduzam após o impacto inicial dos mesmos. O comunicador visual não é exceção - as consequências mais profundas do seu trabalho diluem-se numa lógica de superfície. Associado à já referida elitização do design, este processo torna-se uma perigosa ferramenta de controlo social. Segundo Oleh Aristarchus Pranayama, professor da disciplina de design de comunicação na Faculty of Art and Design, da Petra Christian University podemos dizer que o nosso trabalho está concluído após a resolução do problema do cliente. Esta perspetiva imediatista impede, porém, uma correta planificação e consciência do impacto social e ecológico que esse trabalho poderá ter. Importa por isso colocar um certo número de questões e a partir daí desenvolver o trabalho, não satisfazendo apenas o cliente, mas também um imperativo moral relacionado com a responsabilidade social. Esta reflexão sobre o poder do design de comunicação não é novidade, e surge inclusivamente noutros contextos disciplinares, como o seja, por exemplo, o caso da Semiologia. Ao refletir sobre o papel do design de comunicação, interessa atribuir-lhe o papel de "mitologista", tal como é definido por Roland Barthes. Barthes reflecte na relação que o "mitologista" adquire face à sociedade e às mitologias nas quais se centram os seus estudos : este, ao discriminar-lhes todos os seus possíveis significados, automaticamente se excluí destas mesmas estruturas. O mito surge como a "transformação de valores históricos específicos da classe regente em verdades naturalizadas, eternas e universais"(Neil Badmington). Na sua obra, "Mitologias", Roland Barthes denuncia uma série de mitos burgueses e a inserção do mesmo no âmago de uma sociedade que por ele se deixa normalizar e universalizar. Enquanto conceito basilar de toda a obra, creio ser fundamental uma definição mais aprofundada do conceito de mito, segundo Roland Barthes, e de que maneira a criação do mesmo se relaciona com a disciplina da Semiologia. Para tal, é necessário efectuar antes um esclarecimento acerca do que é o signo linguístico, tal como Ferdinand de Saussure o definiu, no seu "Curso de Linguística Geral"(1915). O signo linguístico não é senão a combinação arbitrária de um conceito (o significado) e uma imagem sonora/representação linguística (o significante). Extrapolando desta definição a sua própria ideia de mito, Barthes explica que este tem as suas raízes na linguagem, ao qual algo é posteriormente adicionado. Assim, enquanto que uma palavra (ou outra unidade linguística) é formada pela conjugação de um som com um significado, gerando um signo, no mito o signo é utilizado enquanto significante, sendo-lhe posteriormente adicionado, não arbitrariamente, um novo significado, através de um conjunto de imagens/ideias cuidadosamente manipulados pelos "fabricantes" de mitos (estruturas sociais que provocam impacto sobre um vasto número da população, como os media) para atuar nas vontades e valores de uma sociedade que por eles se deixa manipular sem aparente resistência. Através das pesquisas efetuadas no âmbito da antropologia estrutural, concluí que tal fenómeno talvez se verificasse através da proposição de Lévi-Strauss de que a cultura se define por um conjunto de signos de tal forma partilhados que "controlam" e estruturam o funcionamento intelectual. É referido por Baudrillard que "a sociedade se faz maternal para que melhor preserve uma ordem de coerção". Que ordem fictícia é esta? Recorrendo a Barthes e à sua obra "Mitologias", respondo que esta corresponde à ordem social normalizante do signo, habilmente preservada através de mitos. Estes mitos, segundo Baudrillard, levam-nos a crer que a sociedade se adapta totalmente a nós para que nela nos integremos, reciprocidade essa que é meramente fictícia. Daqui retiramos que o poder do Design se revela extremamente efetivo na propagação de valores e ideais, contribuindo, actualmente, para o estabelecimento de uma lógica nociva. Referindo novamente Joshua Blackburn, no seu artigo "Design can Save the World", o papel do design enquanto ferramenta capitalista surgiu posteriormente - na sua génese esteve sempre a mudança política e social. Blackburn defende, assim, um retorno às origens, o design utilizado como veículo para a propagação de ideais sociais e políticos, e não apenas uma arma de negócio. Tal como foi concluído, é falacioso falar-se de uma neutralidade do design, pelo que daqui poderemos retirar que, qualquer que seja a sua origem, todo o design terá um impacto. É imperativa a criação de um esforço consciente para um afastamento do design dos mitos estruturantes, forçando-o a percorrer o caminho contrário, de encontro à participação social activa no seu processo. O poder catalisador do design, tal como anteriormente, poderá voltar a ser utilizado enquanto ferramenta de mudança social positiva. Pesquisa adicional: PAPANEK, Victor - "Edugraphology - The Myths of Design and the Design of Myths": In "Looking Closer 3: Classic Writings on Graphic Design". Canada, Allworth Press, 1999. ISBN 1-58115,022-9. p.251-255. BONSIEPE, Gui - "Design and Democracy"[Em linha]. Metropolitan University of Technology, Santiago do Chile, Junho 2005.[Consult. 2 Maio 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.guibonsiepe.com>. BONSIEPE, Gui - "Design e Crise"[Em linha] ATEC Cultural, Março 2012. actual.4 Maio 2012.[Consult.19 Maio 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.chocoladesign.com/gui-bonsiepe-fala-sobre-design-e-crise>. PRANAYAMA, Oleh Aristarchus - "The Significance of Ecological Awareness in Visual Communication Design Education" [Em linha], actual. 20 Março 2010. [Consult. 25 Mar.2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www. dgi-indonesia.com/the-significance-of-ecological-awareness-in-visual- communication-design-education/>.
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A Comuna 33 e 34
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