O direito à autodeterminação Versão para impressão
Terça, 19 Novembro 2013

independência catalunhaHá questões sobre as quais não é agradável opinar e sobre as quais não é honrado guardar silêncio. O debate sobre o direito dos catalães à sua autodeterminação é, para mim, uma delas. Leva-me a contradições, ao medo de estar errado, de estar a ser injusto, a cair em irritação. Mas quando se escreve regularmente em público, também não se pode permanecer em silêncio, sem contribuir para o debate com, pelo menos, uma impotência honesta.

É muito típico de uma habilidosa como Rosa Díez a sabujice parlamentar de submeter a votação o direito de todos os espanhóis a decidir sobre a questão da soberania catalã. Depois de colocar todos os obstáculos possíveis ao processo de pacificação do País Basco, parece que o seu oportunismo quer agora beneficiar também das tensões catalãs para agravar definitivamente a situação. No meu caso, a sua estratégia provocou-me a necessidade de declarar que, enquanto espanhol e cidadão, me parece que não me considero no direito de decidir sobre a possível soberania catalã.

Escrevo "parece" porque em todo este assunto tenho apenas uma certeza: mais tarde ou mais cedo, a independência da Catalunha já é inevitável. Não se pode brincar com os sentimentos. Não creio que nós os que desejaríamos outro tipo de solução tenhamos alguma hipótese de sucesso democrático. Posturas truculentas como a de Rosa Díez, a irresponsabilidade política dos governantes e razões históricas objetivas fizeram crescer um movimento de independência cada vez mais generalizado. Seria um erro interpretar a fratura dos socialistas como um assunto interno. É o melhor exemplo desta situação. Nem por mera estratégia eleitoral, nem por sentimento, pode hoje uma força progressista catalã recusar-se a pedir uma consulta sobre o direito à soberania. A realidade social passar-lhe-ia por cima.

Quando falo de irresponsabilidades políticas, refiro-me a ações de diversa índole. A debilidade da nossa burguesia liberal para articular um Estado sólido nos séculos XVIII e XIX deixou abertas muitas fissuras que a Transição espanhola não foi capaz de resolver eficazmente. Foi uma irresponsabilidade grave submeter durante anos a organização territorial e a transferência de poderes para os penosos processos de compra e venda abertos pelos principais partidos sempre que necessário para governar o voto das minorias nacionalistas. E foi grande a irresponsabilidade do PP ao usar questões como o Estatuto da Catalunha atacar, no palco bipartidário, o PSOE.

A direita catalã também tem sido muito irresponsável ao esconder no lamento nacionalista a factura anti-social da sua política neoliberal e ao tentar forçar um novo pacto de financiamento com o lema mentiroso de que Espanha rouba a Catalunha. Esta acusação não resiste a qualquer análise económica objectiva. Acontece que a direita catalã ficou assim num beco sem saída. Uma simples mudança no financiamento já não satisfaria o sentimento independentista dos seus cidadãos. Mas, por outro lado, o capitalismo catalão que Convergéncia y Unió representa não quer a uma independência repleta de incerteza para os negócios. Prefere continuar a destruir o Estado de bem-estar em Barcelona, ​em ​Madrid e em Granada (a minha cidade natal). Porque a Espanha não está a roubar a Catalunha. São as elites económicas catalãs e espanholas que nos estão a esquartejar a todos.

Dizer que sob o independentismo catalão há interesses económicos não implica qualquer declaração prejorativa. Acredito na origem económica das ideologias. Não conheço nenhum processo religioso, poético ou nacional na história que não tenha tido uma raiz económica. O dinheiro converte-se num sentimento e define as suas fronteiras. Cada um escolhe logo a sua posição e surgem as contradições da realidade. Antes resolviam-se com armas. Agora, felizmente, contamos com os procedimentos democráticos.

Acredito que a autodeterminação é um direito democrático. Uma sociedade madura pode decidir sobre o seu destino. Também acredito que existem outras identidades para além da nacional. A minha identidade cívica, por exemplo, tem a ver com o socialismo. Vivo a justiça económica, a memória política e o Estado social como uma identidade. Respeito o direito democrático dos catalães à sua independência. Mas seria incapaz de aprovar um pacto social em que as mentiras do capitalismo catalão provocassem uma forma mais injusta de articulação da Espanha. E temo que os grandes estadistas, esses homens que sempre tendem a confundir o futuro com as situações mais cómodas ​​para o dinheiro, caminhem agora para este tipo de solução.

De uma maneira ou de outra, mais cedo ou mais tarde, defendo que a independência da Catalunha é agora inevitável. Convém não nos armarmos em trágicos e encontrarmos entre todos uma forma ordenada para o processo. Eu preferiria, é claro, que a identidade de um Estado federal, socialista e republicano nos reunificasse. Mas isso parte mais do meu desejo que da minha realidade.

Luis García Montero

31 de outubro de 2013, La realidad y el deseo

Tradução: Redação d' A Comuna

Foto: flickr.com/photos/pepcapde/

 

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