Temos fome, queremos pão Versão para impressão
Sexta, 09 Maio 2014

Temos fome, queremos pão - maria joão barbosaAntes do 25 de Abril de 1974, trabalhava numa fábrica de peixe SCM em Matosinhos.

 

Testemunho de Esmeralda Mateus

 

Quando não havia peixe, na época do defeso, a gente fazia um enterro com um caixão e todos os homens e mulheres se vestiam de preto e empunhavam bandeiras pretas. Gritávamos nas ruas de Matosinhos.

- Temos fome, queremos pão!

A polícia não gostava e batia-nos com bastões. Eu levava sempre porque não fugia e continuava a gritar.

-Temos fome, queremos pão!

Nessa época não tínhamos calçado, a fome e a pobreza era muita mas o governo não queria saber nem os patrões e se aparecêssemos na rua descalças, pagávamos oitenta escudos com uma coroa.

Homens e mulheres eram perseguidos.

Na fábrica era o Sr. Manuel, que salgava o peixe, de vez em quando apareciam uns homens de chapéu que o chamavam e ele saía com eles. Desaparecia, então, durante uns dias. Esta situação repetia-se muitas vezes.

Como eu falava muito perguntava-lhe:

-Oh Sr. Manuel porque faltou tanto tempo?

O Sr. Manuel tratava-me por Xangai, porque eu vivia no bairro de Aldoar.

Um dia disse-me:

- Xangai vou pedir-te um favor. Quando eu for chamado ao escritório é porque me vêm buscar para me fazer perguntas. Tu vais ao meu armário e debaixo de um papel estão uns jornais escondidos, leva tudo na tua saca e escondes. Eles podem vir revistar o armário e de ti eles não desconfiam. Depois vais deixando cair os jornais nas ruas, mas não deixes que te vejam.

No dia seguinte os homens de chapéu voltaram.

Fui ao armário e tirei todos os jornais, fiz a distribuição pelas ruas. Depois, desse dia, quando o Sr. Manuel estava ia ele por uma rua e eu por outra e fazíamos os dois a distribuição.

O meu pai era um revolucionário e conseguiu comprar um pequeno rádio, a pagamentos, onde durante a noite ouvíamos as noticias. Quando o meu pai ouviu a Grândola, disse logo que se estava a passar alguma coisa. Mais tarde ouvimos os canhões e os militares na circunvalação. As pessoas foram todas para a rua bater palmas aos militares. Pensávamos que as coisas iam melhorar.

Na altura, tinha dezoito anos era casada e tinha dois filhos e, como muita gente fui para a baixa do Porto, para o meu da multidão. O meu homem não gostou que eu participasse no que se estava a passar.

Continuei a trabalhar na fábrica de conservas, fui delegada sindical do SCM e mais tarde dirigente sindical. Num dos plenários, na fábrica Universal, o patrão fechou a porta e chamou a polícia, eu e as minhas camaradas fomos presas durante três horas na esquadra de Matosinhos. Depois, veio o Advogado do sindicato que nos tirou dali.

Muitas foram e são as lutas que encetamos antes, depois ao 25 de Abril e atualmente.

Se não havia peixe não ganhávamos e nós queríamos ganhar o tempo da moura. Ninguém tirava o peixe da moura se não nos pagassem as duas horas e meia, tempo que o peixe tinha de estar na moura. Foi uma grande luta, mas conseguimos.

Depois do 25 de Abril o patrão não nos pagava e nós não deixávamos sair as conservas, fazíamos piquetes à porta da fábrica. A fábrica começou a fechar e tive de procurar trabalho. Foi muito difícil ninguém me dava trabalho porque fiquei conhecida pelas minhas lutas.

Fui trabalhar como mulher-a-dias e, nessa altura comecei a trabalhar com as mulheres do meu bairro, com as mulheres da UMAR e a comissão de moradores de Aldoar. Tenho encetado muitas lutas que ainda hoje continuam e cada vez mais.

As mulheres são as mais prejudicadas e dão a cara para tudo. Estão desempregadas e não têm dinheiro para dar de comer aos filhos, pedem dinheiro emprestado e pagam juros agiotas e não conseguem cumprir os compromissos, algumas não têm água em casa e vão à associação tomar banho. As coisas estão a piorar e pelo caminho que isto vai lá chegaremos.

Esmeralda  Mateus - A Comuna nr. 31 (Maio 2014) 31-32.

edição Especial 40 Anos do 25 de Abril.

ilustração: Maria João Barbosa/LunaKirscheIllustration para A Comuna 

 

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