25 DE ABRIL – 40 ANOS DEPOIS Versão para impressão
Segunda, 12 Maio 2014

25 de Abril 40 anos depoisEm 25 de abril de 1974 estava em Moçambique a cumprir o serviço militar.

 

Testemunho de Fernando Figueira

 

Na sua fase final ( faltavam 2 meses ), dos 2 anos de comissão militar numa colónia, que aos jovens portugueses de então eram impostos naquele período de guerra colonial.

Com a especialidade militar de furriel enfermeiro estava colocado no Hospital Militar de Nampula, cidade quartel general da intervenção militar portuguesa naquele país.

O elevado número de militares na cidade, principalmente milicianos, provocava um contacto e uma troca de experiências muito ativas entre os jovens militares residentes e os que estavam em trânsito ou que eram evacuados por ferimentos ou necessidade de tratamento, situação que potencializava a revolta e o inconformismo provocadas pela eternização da situação, pelo interrupção da vida pessoal, familiar e profissional, pelas preocupações sentidas pelo evoluir da gravosidade e intensidade dos ataques da FRELIMO que aumentou a partir de meados de 1973 as suas capacidades materiais e técnicas de ataque aos aquartelamentos portugueses, passando também a ser mais notória, embora discreta, a sua presença e influência nas cidades.

O início de 1974 era de uma crise anunciada, vários fatores mostravam as contradições existentes que se sucediam em ritmo constante:

- A nível da FRELIMO, foi o forte ataque ao quartel e planalto de Mueda, em dez.73/jan.74, com um tipo de morteiro (122), superior ao que o exército português utilizava.

- Foram variados e múltiplos ataques às forças portuguesas em vários locais estratégicos no Norte e na região de Tete, com rebentamentos da via férrea, abatimento de meios aéreos entre outros.

- A nível militar para além da saturação dos militares do quadro (alguns na 4ª comissão) também os oficiais milicianos estavam por sistema a ser "empurrados" e enviados para comandar as frentes.

- A nível da presença religiosa, que não era tão pressionada pela hierarquia militar nem pela pressão da PIDE, verificou-se um sério mau estar com uma sucessão de denúncias: Desde a Beira (Macuti), ao massacre de Wiriamu (Tete), passando pela homília do bispo de Nampula que denúnciava entre outras situações a ocupação militar portuguesa com a criação de povoados/campos de concentração, até à perseguição e expulsão de vários missionários com particular destaque para os Cambonianos instigada pelas autoridades e pela PIDE.

- O 16 de março (golpe das Caldas) foi seguido com curiosidade por militares e cívis, conjugado com o livro do Spínola deixava no ar a suspeição de que algo iria mudar, sem se perceber com quem e para quê.

- O "Cancioneiro do Niassa", conjunto de canções e baladas inspiradas no cancioneiro português e americano contra a guerra e em denúncia da hierarquia militar e do regime, dos roubos na comida e nos maus tratos ao "pobre" soldado, era cantado nos quartéis e gravado e reproduzido por todo o lado. Por ter afirmações fortes foi silenciado e esquecido até aos dias de hoje.

O 25 DE ABRIL

As primeiras notícias do golpe militar de 25 de abril, espalharam-se como um rastilho e provocaram uma corrida a ouvir a BBC via rádio. A expetativa foi grande sobretudo pela distância e pelas incertezas, que posição irião ter as hierárquias militares e as autoridades e o que é que vamos fazer com uma oportunidade destas de derrubar o regime.

O posto de rádio militar que emitia em Nampula, passou de imediato a colocar no ar de forma integral tudo o que era de crítica e oposição ao regime, a cadeia hierárquica militar foi profundamente beliscada e desautorizada.

Nos dias seguintes as incertezas foram-se clareando quanto à evolução da situação, mas ficaram no ar vários receios que tornavam a evolução dos acontecimentos sensível:

- Para os militares milicianos o fantasma de como e quando regressar a casa, ser substituido ou não.

- Para os civís europeus e para todos o fantasma do que vai ser de Moçambique e de quem lá vive no futuro próximo.

- Para a população (da região de Nampula) que fazia e organizava a sua vida em função da numerosa presença de militares,  como vai ser a nossa vida.

Foi assim que se verificou uma discreta mas forte corrida à compra e açambarcamento de bens de primeira necessidade e uma galopante desvalorização de escudo moçambicano.

Movimentações de todos os matizes e oportunismos procuraram formar partidos, evoluem sistemas e processos de auto defesa e de solidariedade entre amigos.

O corpo do efetivo do Hospital Militar foi substituído em maio de 1974 e o regresso dos homens que terminaram a sua atividade no local foi pacífica, mas com alguma demora na cidade da Beira onde aguardámos algumas semanas pelo regresso avião a Portugal e à Europa em avião militar.

No meu caso pessoal, foi reviver a família, os amigos, arrumar a saída do serviço militar e retomar a vida tradicional com todas as marcas de mais uma rica e dolorosa experiência de vida.

Apresentei-me ao serviço na Lisnave (set./out.74) de onde me tinha ausentado para cumprir o serviço militar, sendo pacífica a reintegração profissional, embora passando a ter uma participação ativa na dinâmica do grande laboratório da luta de classes que foi esta empresa que era só a maior concentração operária da época.

Foram muitos meses de profundas discussões para em coletivo criar e melhorar relações de trabalho com direitos e respeito por quem trabalha.

Algueirão, 15 de abril de 2014

Fernando Figueira - A Comuna nr. 31 (Maio 2014) 33-34.

edição Especial 40 Anos do 25 de Abril.

ilustração: Maria João Barbosa/LunaKirscheIllustration para A Comuna 

 

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