Grécia: O Excesso sem Revolução e ‘um beijinho para o Sócrates’ Versão para impressão
Terça, 30 Dezembro 2008
Jacques Lacan guardou a expressão ‘acto’ para as acções com um carácter suicidário, no sentido da impossibilidade do controlo das suas brutais consequências. Dito de outra forma: o acto só é digno desse nome, nos momentos de ‘tudo ou nada’.

…. Estão duas pessoas no regresso de um passeio qualquer. Talvez se amem, mas nenhuma confessou… Num momento daqueles, de tudo ou nada, uma delas abandona as dúvidas sobre os sinais ‘talvez mal entendidos’, supera o medo das consequências imprevisíveis e ‘rouba um beijo’ com a paixão e coragem de quem salta sobre um abismo… Eis um Acto.

O Acto político por que clama Slavoj Žižek deriva daquele conceito lacaniano. O acto político por excelência é a Revolução. A Revolução é imprescindível para a superação das opressões (encabeçadas pelo Capitalismo) que impedem o ‘livre desenvolvimento de cada um’ (Marx & Engels). Ou noutras palavras: é condição necessária para ‘a subjectividade por vir’ (Žižek).

A Revolução, um Acto propriamente dito, é impossível sem o seu excesso. De acordo com Žižek, querer a revolução sem o seu excesso de violência é querer a ‘Revolução sem Revolução’. Nenhuma revolução é cirúrgica, os excessos do acto são incontroláveis. Desejar evitá-los, óptimo. Trocá-los pela inércia da opressão sistémica, não.

É deste prisma que vejo os acontecimentos da Grécia. São suicidariamente violentos, têm consequências. ‘Mas quais?’ …Antes disso, a origem desta ‘tragédia’: Têm sido muita e muito diversificada a contestação à ofensiva neoliberal sobre os serviços públicos e os direitos das trabalhadoras e trabalhadores. Têm pululado por toda a União Europeia: desde a tão aclamada participação cívica das petições às manifestações legais. E o resultado tem sido: o silenciamento pela ‘censura neoliberal’.

Recordo, como exemplo, o caso da manifestação que teve lugar em Lisboa, por ocasião da assinatura do ‘tratado’ do mesmo nome. ‘Tudo’ se disse das supostas maravilhas do tal ‘Tratado de Lisboa’ e até apareceram ministros e ministras a dançar (!). O que mal se viu ou ouviu na televisão foi aquela grandiosa manifestação que contestava a ofensiva neoliberal, ofensiva esta que o ‘tratado’ pretende constitucionalizar. Em contraste, destacava-se o aparato policial que defendia os ‘civilizados e dançantes governantes europeus’ daqueles ‘bárbaros’ que a TV escondia.

Entre a violência que acaba, de uma forma ou de outra, por rebentar [ante o silenciamento da sua contestação pacífica ou ante os desvios pós eleitorais, como os do Governo Sócrates]; entre essa violência e a figura da polícia de choque pronta a defender os governantes: há uma verdade. É a verdade escondida numa das perigosas anotações (doutrinárias) de Giscard D’Estaing à Carta dos Direitos: constituem excepção à proibição da pena de morte e execuções extrajudiciais os casos ‘de revolta’ ou ‘insurreição’ (Miguel Portas, 2007).

A violência, o excesso da revolta, da população na Democracia Helénica tem o perigo muitíssimo provável de ser um excesso sem revolução. É claro que nenhum céptico espera que a revolução aí comece. Ainda assim, e colocando as expectativas mais em baixo, pergunto-me se aquela revolta popular se vai expressar nas urnas. Será que o medo do excesso vai derivar eleitoralmente para o seu inverso? Lembremo-nos, por um lado, do reforço da direita nas eleições que se seguiram ao Maio de 68. Mas não esqueçamos, por outro lado, as vitórias não-eleitorais do mesmo Maio.
Previsões: ‘Só sei que nada sei’, já dizia o sábio Sócrates, da Grécia Antiga.
‘Um beijinho para o Sócrates’!*

Bruno Góis

* Citação da caricatura dos Gato Fedorento à censura ‘tradicional’ na RTP, aquela em que o jornalista, sob pressão, transforma uma notícia de uma grande manifestação contra o governo numa manifestação de apoio ao mesmo.

Miguel Portas, Tratado de Lisboa Descodificado, Global, Dezembro’07, p. III in Esquerda, nº25, Dezembro 2007
 

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