Exércitos privados: solução moderna para as agruras da guerra |
Sábado, 21 Novembro 2009 | |||
«Os suicídios no Exército americano vão atingir um novo máximo. Este ano já morreram 140 soldados no activo, suspeitando-se de suicídio, a que se somam outros 71 que não estavam no activo. Em 2008, registaram-se 140 suicídios entre militares no activo, o número mais alto de sempre no Exército». Segundo esta notícia no «Público» parece que a tropa do Império anda incomodada. Os soldados em geral porque se suicidam. Os generais porque temem a repercussão que tal possa ter na opinião pública, já de si confrontada com duas guerras brutais e desgastantes e com o síndrome do Vietname, ou seja a derrota sem apelo nem agravo ao fim de vários anos de mortos, feridos e vítimas de stress post traumático. Por outro lado a Administração norte americana é já famosa pelo desleixo ou desprezo institucional com que trata os militares que tiveram o azar de sobreviver a ferimentos graves e ficaram deficientes. O problema do serviço de saúde agora no centro da política de Obama, mostra como a «ideologia da nação americana» é avessa à solidariedade social. Et pluribus unum (como até o Benfica sabe) ou seja que cada um existe distinguindo-se mas como parte do todo é uma legenda fundacional dos EUA mas não da sociedade norte-americana que entretanto se desenvolveu, em que cada um se diferencia contra os outros. Os vitimados das guerras ficam mais coisa menos coisa entregues a si próprios. Diga-se em abono da verdade que cá por Portugal se passa mais ou menos o mesmo. Portanto o ambiente não é nada favorável à saúde dos militares. No entanto há que notar que o pessoal que vai combater nas guerras do Império é voluntário – alista-se para ter um emprego, para ganhar dinheiro, para poder fazer um curso. Mercenários ao serviço do Estado. É só seguir o excelente filme de Robert Redford, «Peões em Jogo». Matar ou morrer, é um risco que antes de lá se estar se aceita com um certo à vontade. Mas que depois se torna uma autêntica provação, excepto para os que são viciados na adrenalina, veja-se o também excelente filme «Estado de Guerra», de Kathryn Bigelow. Os que não são viciados em adrenalina tornam-se viciados em heroína e cocaína. Ou então no massacre e na violação - “se a gente os pode matar e torturar porque não podemos violá-los?!” Outro belo filme sobre a questão - «Censurado» de Brian de Palma. Deixou então de haver o sentido glorioso do dever pátrio? Deixou. Isso é conversa para conservadores reaccionários e proto-atrasados mentais. Desde tempos imemoriais que a guerra é um assunto privado que impõe a matança às populações. Guerra de senhores, guerra de reis, guerra de burgueses. E as nações foram a criação mítica - tão mítica que chegaram a ser divididas a régua e esquadro como entidades políticas autónomas, independentemente daquilo que de facto unia e estruturava as sociedades, a língua, a cultura, os hábitos e costumes, - que permitiu arrebanhar e arregimentar milhões para defender e atacar interesses que lhes eram totalmente estranhos mas que em nome da Nação eram obrigados a assumir. Depois da revolução francesa o recrutamento obrigatório tornou-se um símbolo da glória da revolução, a cidadania assumida em toda a sua plenitude. Mas isso só durou até que Napoleão perdeu totalmente o sentido da revolução e, portanto, o sentido da estratégia. Durante a Comuna de Paris, em 1871, quando o Estado prussiano e o Estado francês que faziam morrer aos milhares os soldados de ambos os lados, pararam a guerra e se aliaram para permitir o esmagamento da Comuna, ficou finalmente claro que o real inimigo de ambos era o proletariado e que derrotando o proletariado francês se derrotava também o proletariado alemão. A I Guerra Mundial, a primeira guerra imperialista, levou para o açougue milhões de soldados que nas vésperas se manifestavam nas ruas da Europa contra essa guerra anunciada. Nunca a Europa esteve tão unida e com o seu povo tão estreitamente solidário para além de todas as fronteiras. No entanto isso não chegou. Só a revolução poderia ter evitado a mobilização em massa da juventude europeia para se matarem uns aos outros num desastre apocalíptico. Foram matar e morrer, uma vez mais em defesa de interesses que não eram os seus, não eram da sociedade, nem sequer da sua Nação. Eram interesses privados, materializados num Estado que os representava. A II Guerra Mundial revestiu-se de características diferentes porque opôs os imperialismos modernos à maior monstruosidade que a sociedade humana enfrentou: o nazismo e o fascismo. Isso alterou completamente o seu carácter e legitimou em nome da defesa da liberdade o confronto maior da história da humanidade.
A globalização e a guerra actual Chegou então a globalização que veio dar cabo do mito do Estado-nação, como cristalização dos interesses gerais dos países e da necessidade do confronto entre eles para defesa dos interesses dominantes. Hoje, os interesses privados impostos às sociedades em torno do mito nacional, já não se defendem com a guerra entre potências embora estas ainda imponham alguns confrontos nacionais como forma de disputa por interposta pessoa. Já não há literalmente «interesses nacionais a defender». A finança tomou conta do mundo real através do mundo virtual das transacções sem base material. E isto, mesmo que não entendam, é sentido ou intuído pelos cidadãos do mundo. A Nação e a Pátria já só têm significado real para aqueles povos que estão espezinhados. E, nesse caso, a nação e a pátria são o esteio material, simbólico, político, jurídico e moral, para se libertarem como é o caso da República Sarahui, foi o caso de Timor e ainda é o caso da Tchetchénia ou do Kurdistão. Os superiores interesses da Nação estão cada vez mais reduzidos à defesa da selecção nacional de futebol. Eis a razão porque partidos tradicionalistas e reaccionários como o PSD e o CDS aceitaram o fim do Serviço Militar Obrigatório. Era uma exigência da sociedade uma reivindicação sem retorno da juventude que não se revia na necessidade de ser obrigada a bater-se por interesses que lhe eram cada vez mais estranhos. O mesmo se passou noutras sociedades «civilizadas»: Se querem defender interesses privados arranjem-se com tropas privadas, profissionais da guerra. Passou-se então ao voluntariado e profissionalismo, aliás mais despendioso. A Blackwater, ler «A Ascensão do Exército Mercenário Mais Poderoso do Mundo», é uma empresa envolvida em vários escândalos e assassinatos nos próprios EUA, mas sempre protegida pela administração norte-americana.Está envolvida na guerra do Iraque e do Afeganistão. As empresas privadas de mercenários vão paulatinamente tomando o lugar dos mercenários institucionais. No Iraque estão actualmente cerca de 120 mil soldados privados que são cada vez mais a verdadeira força de ocupação. Servem ainda para intervir em zonas ou conflitos que interessam aos EUA mas sem estes se comprometerem visivelmente. A guerra actual, como interesse específico do complexo industrial militar, tem agora mais uma componente geradora de liberdade do mercado: os mercenários que estimulados pelos Estados na privatização do que seria a última instância do Estado burguês, a Defesa, poderão substituir-se a estes nomeadamente na definição dos teatros de guerra. Dado o carácter ideológico do mercenário, ou seja tudo é permitido para ganhar dinheiro, eles representam a suprema instância da organização predadora do capital, onde a vida humana deixou de ser sequer ética e juridicamente protegida. E ainda uma vantagem especialmente apreciável: quando morrem não perturbam a opinião pública e não se suicida, quase de certeza. Mário Tomé
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A Comuna 33 e 34
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