O idealismo da organização |
Terça, 03 Novembro 2009 | |||
Camus disse um dia, sobre a arte e a estética do realismo socialista soviético que “esta estética que pretendia ser realista, transforma-se então num novo idealismo, tão estéril, para um verdadeiro artista, como o idealismo burguês”.
Artigo de Moisés Ferreira
Esta afirmação polémica surge em 1957 numa conferência sob o título ‘O artista e o seu tempo’. Camus fazia referência ao facto de um Estado monolítico e omnipresente ter imposto, a certa altura, regras e censura à estética artística, como se quisesse pautar o realismo não pelo real mas sim pela visão de um qualquer futuro ou estádio. E essa é a contradição fundamental, pois não revela nada mais que não seja o idealismo. O socialismo tem, para ser realista e não idealista, a obrigação da confrontação permanente com a realidade, o que obriga, logicamente, a uma actualização permanente da sua táctica, estratégia e conceitos políticos. Muitas vezes a resistência é enorme quando, dentro das correntes socialistas, se abre a discussão à actualização dos conceitos. Mas essa polémica é necessária e fundamental para evitar a cristalização, a dogmatização e a contradição. É uma polémica fundamental para manter o socialismo tão vivo quanto aplicável. Caso contrário, encontraríamos o socialismo enclausurado numa metafísica tautológica e idealista, alheado da realidade e anémico quanto ao materialismo. Vem isto a propósito de quê? A propósito da análise que alguns fazem sobre os resultados do BE nas últimas eleições autárquicas. Uma via para a explicação dos resultados consiste na organização. É uma via falaciosa e perigosa. Falaciosa porque os eleitores revêem-se mais na mensagem política (e na forma de comunicação política) do que na organização. Perigosa porque, ao colocarmos toda a explicação na organização, facilmente cairemos no erro de ter a organização como um fim. Isso seria o regresso a um partido que já não temos e sobre o qual o Bloco de Esquerda representa a evolução. Seria, ao contrário do que se possa pensar, uma prova de anacronismo porque levantaria novamente a figura do partido verticalizado e rigorosamente estruturado, que não cativa e não acrescenta nada politicamente. A UDP deixou escrito na sua última Conferência que as formas de organização de um partido “confrontar-se-ão com os diferentes quadros históricos e sociais, mas convenhamos que hoje não nos é possível pensar, no enquadramento global, num partido que se reclame do socialismo sem ser abertamente democrático, participado, disputado, originando-se, promovendo-se e reforçando-se na discussão democrática horizontalizada sendo dessa que se formam, por maioria, as decisões”.
Esta é a posição que deve ser aprofundada e reforçada. Os resultados das últimas eleições autárquicas mostram, acima de tudo, que é necessário o aprofundamento da política e a elevação do nível do debate político dentro das concelhias do Bloco. Essa discussão só terá sucesso num partido horizontalizado, democrático e plural; seria infrutífera num partido rigorosamente estruturado.
|
A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx