O arco da governabilidade Versão para impressão
Domingo, 18 Outubro 2009

Desde os resultados nas eleições europeias e especialmente desde as últimas semanas de pré campanha para as eleições de 27 de Setembro (legislativas), verificou-se em Portugal uma nova polarização na política portuguesa. Já não entre PS e PSD, mas entre o Bloco de Esquerda e o bloco central. Os dois partidos do bloco central, PS e PSD, e o seu aliado ocasional CDS-PP têm estado obcecados em combater o Bloco de Esquerda e o seu programa de governo.

Artigo de Bruno Góis, publicado em A Comuna 20

1 - Quem definiu o arco da governabilidade? Em que Constituição?

Este combate ao Bloco de Esquerda e ao seu programa de governo torna-se particularmente curioso perante o epíteto atribuído a estes três partidos: ‘Arco da governabilidade'. Afinal há um arco dito da governabilidade que não suporta o programa da esquerda para Portugal. Arco da governabilidade pretende significar que os demais partidos e especialmente a esquerda não podem governar. Contudo depois de profunda análise da Constituição da República Portuguesa, continuo a não encontrar qualquer disposição que obrigue a que a esquerda seja reduzida ao papel de espectadora do palco da governação. Qual será então o critério? Quem decidiu que há partidos que podem governar e outros que apenas podem ser oposição?

O arco da governabilidadeAté hoje, desde a Constituição de 1976, PS e PSD chefiaram os governos em alternância, com excepção para a vez em que governaram em assumido bloco central. Os aliados daqueles dois partidos do bloco central foram sempre encontrados à direita: tendo sido o CDS a muleta de serviço à política do bloco central, quer em governos de coligação (PS-CDS, PSD-CDS-PPM, PSD-CDS/PP), quer com viabilizações parlamentares. Este rotativismo inclinado à direita consubstancia uma hegemonia de dois partidos que se apoderaram do regime. Os dois partidos que se alternam no poder foram minando o regime democrático colocando pessoas que defendem os interesses do bloco central em lugares-chaves da administração pública e das empresas públicas e, mesmo, no sector privado (através da privatização total ou parcial da parte pública nos sectores estratégicos da economia). Essa hegemonia bicéfala do centrão vê-se agora ameaçada por um programa de esquerda.

O que assusta o bloco central e, por extensão, o auto-proclamado arco da governabilidade não é a dimensão actual do Bloco de Esquerda. O que assusta o arco dos interesses instalados é a dinâmica de crescimento da esquerda. O Bloco de Esquerda conseguiu em 10 anos atingir o lugar de terceira força política nas eleições europeias. Contudo, o medo do centrão e da direita não está no puro dado concreto de o Bloco de Esquerda ter sido a terceira força política numas eleições com elevada abstenção. O medo está na dinâmica de crescimento. O centrão e a direita já perceberam que esta dinâmica de 10 anos de crescimento está para continuar. E o PS já percebeu que não pode comprar o Bloco de Esquerda para o seu programa social-liberal. O Bloco não será a nova muleta do centrão, é isso que os assusta.

2 - Governabilidade significa ter de aderir à política do centrão?

Inserir a esquerda naquilo a que a hegemonia do centrão considera ‘governabilidade' significaria aceitar apoiar o programa do centrão e dar-lhe uma renovação meramente estética e discursiva à esquerda. Aceitar cumprir o programa do centrão seria vender a proposta da esquerda em nome de um poder inútil para a esquerda política e social. Temos como exemplo o caso italiano em que a esquerda aceitou ir para o governo com um programa que não era de esquerda. Resultado: a esquerda, em nome dos valores da esquerda, viu-se obrigada a protestar contra os desvios militaristas e anti-trabalhistas do governo de que era então parte minoritária. O governo centrão-esquerda de Prodi caiu e a direita de Berlusconi voltou ao poder. Essa esquerda que cedeu à chantagem da unidade-a-qualquer-preço contra a direita acabou derrotada nas eleições seguintes sem nenhum avanço relevante para as causas da esquerda, sem melhorias objectivas nas vida das das pessoas.

Não basta inclinar o centrão ligeiramente para a esquerda. O Bloco de Esquerda já fez saber ao centrão que NÃO abandona a luta toda em nome do avanço numa ou algumas das lutas. Todos os esforços unitários em torno de causas concretas são bem-vindos e necessários - e é até aí que se joga a inclinação à esquerda. Mas nenhuma das causas da esquerda é moeda-de-troca para o apoio a um governo que vá contra o programa da esquerda.

3. Sinais do medo dos instalados.

3.1 - O primeiro-ministro ‘esmiúça' o programa da esquerda!...

Com apenas 8 deputados no parlamento e embora terceira força política nas europeias e nas sondagens, não será desproporcionada a atenção dada pelo actual primeiro-ministro ao programa do Bloco de Esquerda? ‘Calma, José Sócrates! Para quê tanto medo?' Os comentadores de serviço querem desmentir a dinâmica que irá dar lugar à consolidação de um terceiro grande partido. Ainda não chegámos lá, mas a dinâmica de crescimento assim o sugere. E como o que está em causa é um desafio à hegemonia PS-PSD, todo o poder dos interesses instalados se apressa a combater a esquerda de confiança. A mera hipótese do concretizar essa terceira força no parlamento e na sociedade é razão para um ataque fortíssimo do arco da governabilidade falhada ao programa da esquerda. Por reconhecer no programa do Bloco de Esquerda o verdadeiro desafio aos interesses que o seu governo representa: o primeiro-ministro ocupa-se a esmiuçar para confundir.

3.2 ...E chovem os insultos e calúnias contra a esquerda - ‘Contra-poder!' ‘Esquerda não democrática!' ‘Anti-europeístas!'...

São muitos os que, no desespero da defesa dos interesses instalados, se ocupam a deturpar a verdade sobre o Bloco de Esquerda. Continuam a afirmar que o Bloco de Esquerda é um partido de contra-poder, que não é uma esquerda democrática. Como se ser da oposição fosse genético aos partidos ou ser democrático significasse comer e calar e ainda bater palmas à vulgata neoliberal comum ao PS e ao PSD.

O Bloco de Esquerda é um partido europeísta de esquerda. O Bloco defende uma União Europeia que faça jus à herança social europeia. É possível a criação de um modelo de desenvolvimento sustentável assente no pleno emprego, nos serviços públicos e no respeito pelo ambiente. Esse modelo é possível e necessário à escala europeia. A Europa como economia, como sociedade e como comunidade política tem dimensão para oferecer ao mundo um modelo alternativo aos Estados Unidos e à China. É essa a Europa que a esquerda defende. Defender uma Europa democrática cuja constituição não seja imposta pelo poder e os interesses instalados, defender a Europa da paz, defender a Europa social é ser de esquerda e é ser europeísta.

4 - Conclusão: A esquerda de confiança quer governar... à esquerda!

A governabilidade falhada dos 18 anos de alternância Sócrates-Ferreira Leite, essa memória recente de mais de 30 anos de governabilidade falhada do PS e do PSD, teme e tem razões para temer um programa de governo à esquerda. Não é a governabilidade que está em causa. O que o arco dos instalados teme é o desafio à sua hegemonia na democracia portuguesa. Está a erguer-se uma força política à esquerda que não aceita esvaziar o seu programa. Uma esquerda que não morde o isco do poder fácil. Uma esquerda que NÃO quer governar com o programa do centrão. Uma esquerda que quer governar com o seu programa, com o programa que merece a confiança das pessoas.

O Bloco de Esquerda só é contra-poder no sentido em que a oposição é um contrapeso do sistema de ‘freios e contrapesos' que é a democracia parlamentar. Esse papel de oposição faz parte do respeito pela democracia. Sejamos claros, o que o Bloco de Esquerda quer é ser poder para cumprir o programa da esquerda. A esquerda quer ser governo e deixará de ser oposição quando democraticamente as cidadãs e os cidadãos lhe concederem o poder para cumprir o seu programa. E o seu programa é público, está à venda em livro e já foi descarregado da Internet mais de 250.000 vezes. O programa da esquerda é democrático, transparente e perfeitamente adequado ao modelo constitucional vigente. É para cumprir esse programa que o Bloco de Esquerda se apresenta a eleições.

 

Bruno Góis

 

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