A ameaça |
Domingo, 18 Outubro 2009 | |||
O conceito de governabilidade tem sido utilizado como uma ameaça para impedir a livre escolha de todos e de cada um relativamente a quem deve governar. A arrogância de quem acha que é perigoso alterar verdadeiramente o estado das coisas consubstancia-se na tentativa de convencer as pessoas de que só com opções moderadas e passivas é que se pode ter segurança e que ser diferente é ser perigoso. Artigo de Ana Cansado publicado em A Comuna 20 A ideia de que a estabilidade depende de uma maioria moderada e experiente permite que, apesar de maus, muitos governos se perpetuem no tempo. Em Portugal PS e PSD têm alternadamente governado o nosso país e, embora em momentos eleitorais possam parecer diferentes, as políticas decididas por ambos têm conduzido o país no mesmo sentido. As grandes opções que marcam estes governos têm sido iguais: louvor da NATO, submissão às lideranças americana e dos grandes países europeus, privatização dos bens e serviços a pedido do grande capital. Os vários poderes, particularmente o poder de influência, que governar confere, superam as dificuldades da tarefa. Gerir o bem comum de modo a garantir a sobrevivência e a serenidade apática das populações deixa tempo livre ao governo para trabalhar no sentido de garantir os privilégios do poder económico, que o sustenta, e assim preparar o seu próprio futuro, para que quando a alternância der lugar ao outro, os ex-governantes possam viver tranquilamente, sem perder a maioria dos privilégios, enquanto não ocupam novamente os lugares cimeiros do poder político ou atingem a idade da reforma. O conceito de governabilidade tem sido usado para garantir que os partidos do centro do espectro político governem alternadamente mesmo que em muito pouco se distinga a sua forma de governar ou os resultados de ambas as governações. Os governos maioritários têm tido estabilidade. Essa estabilidade não produziu progressos significativos na vida das pessoas. Pelo contrário, as diversas maiorias do PS e do PSD têm blindado o acesso igual à participação na política e consolidado uma tendência, propagandeada por muitos fazedores de opinião, de que as propostas diferentes, que projectem soluções radicais para um governo diferente, são perigosas ou, como de maneira paternalista muitas vezes nos querem fazer crer, idealistas, utópicas e inconcretizáveis no mundo real. No entanto, as soluções eleitas nos últimos tempos têm sido más e perigosas para o futuro de todos nós. O mundo real está cada vez mais desigual e as pessoas têm cada vez menos direitos e menos hipóteses de serem felizes. A nível social a marca das últimas governações dos partidos do bloco central é um desemprego galopante e uma corrosão do carácter. Grande parte das pessoas prefere penalizar os que são mais pobres e os que têm menos capacidades em vez de olhar para as grandes fortunas e revoltar-se. Se um criminoso for apanhado a roubar um pão corre o risco de ser linchado, mas se algum criminoso vestido de 'Dr' passar algemado a caminho do tribunal podemos ouvir algumas pessoas a lamentar o destino do pobre (rico) homem. O desespero de quem se licenciou e não encontra emprego ou de quem trabalhou uma vida inteira e não consegue viver confortavelmente com a reforma que aufere é tóxico e está a ajudar a construir uma sociedade menos justa e menos solidária. A ausência de esperança dá lugar ao conformismo e à amargura. Desintoxicar a governabilidade Felizmente que eles querem, podem, mas não mandam nas opções de todos nós. Opor-se ao discurso aprumado da governabilidade, às ideias feitas de vários comentadores políticos e às análises de alguns politólogos exige coragem pois o poder político, aliado ao poder económico, contra as pessoas, é capaz de prejudicar gravemente os que o contestam. É um facto que ninguém vai preso por discordar do governo, mas é também um facto que se vêem as hipóteses de realização profissional, e até social, muito diminuídas. Mas a verdade da mentira é que este estado de coisas é uma construção social da realidade. Se formos capazes de afastar os preconceitos e olharmos a realidade há alternativas viáveis, que podem garantir uma governabilidade que exista acima de tudo para servir os interesses das pessoas. O mínimo que se pode exigir de um governo é que, cumprindo os preceitos da Constituição, seja transparente na sua actuação e cumpra as propostas que fez e pelas quais foi eleito. A escolha do voto deve ser livre. Não devemos votar com medo, mas sim em consciência, com convicção, após a leitura dos programas eleitorais e a observação dos comportamentos políticos dos candidatos. O voto deve ser uma das escolhas mais importantes para um cidadão para que este possa continuar a participar e a intervir mas com a confiança de que quem elegeu vai defender os interesses que não são apenas do grupo eleito, mas são também os seus interesses e os da maioria da população. É preciso perceber que a opção de não pertencer à NATO, de ter propostas alternativas para o funcionamento e para as políticas da União Europeia, de defender um governo que retire da mãos dos privados os bens fundamentais, como a energia, e lute para manter enquanto bem público a água, a educação e a saúde e outros serviços e bens essenciais à vida, é uma opção pela Paz, pela Liberdade, por um mundo mais justo onde seja possível ser feliz. O Bloco de Esquerda é uma opção de governo para todos os que querem dar a volta a isto. A coragem do Bloco é não ceder ao discurso mainstream da governabilidade e defender um programa alternativo e exequível que irá realmente transformar Portugal. Mas os crentes da governabilidade tentam ainda seduzir o Bloco com uma sugestão: governem ao lado PS e assim podem fazer a diferença na vida das pessoas. É uma tentação na medida em que melhorar a vida das pessoas é a razão de candidatura do Bloco de Esquerda, mas não nos deixamos cegar por mais areia que nos atirem aos olhos, nem por mais brilho que o poder emane. Este PS é responsável pelo aumento do desemprego em Portugal. Este PS põe em perigo o acesso dos portugueses à saúde e à educação. Este PS apoia a agressão da NATO a diversos países e empresta o nosso território para abastecimento das máquinas de guerra nas Lajes. Este PS troca o interesses dos portugueses por interesses económicos das empresas de amigos. A este PS o Bloco de Esquerda só pode fazer oposição. E o Bloco é uma alternativa real a este PS. Uma alternativa que garante coerência, responsabilidade, competência e justiça. E apesar do desgaste, do desespero, do cansaço dos portugueses muitos são os que não se deixam amedrontar pelos discursos da direita, nem se deixam atordoar pela dupla personalidade do candidato socialista. Cada vez mais pessoas olham para o Bloco e sentem que é possível fazer diferente, ser diferente. O conceito de governabilidade tem de deixar de ser uma 'papão' para assustar os portugueses e tem que representar uma forma transparente de gerir a coisa pública enquadrada pela Constituição. O governo tem que servir os portugueses de forma justa e transparente e desamarrar-se dos interesses económicos. Para tal as opções têm que ser livres e corajosas. É preciso que a maioria vote de maneira diferente para que a mudança seja verdadeira. É preciso que as análises sejam independentes e verdadeiras. É preciso desmontar as ideias feitas que menosprezam o poder e a capacidade da maioria dos portugueses. É preciso dar força a uma Esquerda de Confiança. E o Bloco de Esquerda é a Esquerda de Confiança. Ana Cansado
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
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