Maioria absolutas apresentam: licença para abusar Versão para impressão
Domingo, 18 Outubro 2009

Numa altura em que os tradicionais partidos da alternância do poder começam a enfrentar uma erosão acentuada, é chegada a altura da criação de fantasmas e de rebuscar velhos chavões e esqueletos que revelam bem da sua matriz ideológica.

Artigo de Moisés Ferreira publicado em A Comuna 20

As eleições europeias deram o mote: PS e PSD ficaram-se na casa dos 30% de votos, um cenário de derrota partilhada entre aqueles que até aí se julgaram os perpétuos partidos do poder... A campanha legislativa, a percepção do contacto de rua e as sondagens pressentem de alguma forma que a erosão dos partidos do centrão se mantenha. Neste cenário os partidos da alternância impuseram sobre a campanha - e através de vários comentadores - o tema da governabilidade. Acresce que no seu discurso a maioria absoluta aparece como condição essencial para a dita governabilidade!

Maioria absolutas apresentam: licença para abusarDesde os discursos que ressuscitavam a hipótese do centrão até à dramatização mais recente do voto útil, aquilo que transparece é que o crescimento das alternativas partidárias assusta os "partidos do poder", mas o assunto vai mais longe: assusta o capital e os interesses do capital que nas últimas décadas tem apostado ora no PS ora no PSD para obreiros dos seus projectos, construtores dos seus empreendimentos...

O crescimento das alternativas de poder à Esquerda - onde se destaca claramente o Bloco de Esquerda, por rejeitar categoricamente entrar no jogo da muleta - preocupa e assusta grandemente o PS e o PSD (que não terão maioria absoluta), bem como o capital que se apoia nestes partidos.

Neste cenário, os esforços de abate das alternativas políticas e partidárias são evidentes: com a pressão do voto útil, com a demagogia de que para responder à crise é necessária estabilidade institucional, com a pressão de que só é possível governar com maioria absoluta. Todas estas dramatizações são mentirosas e servem apenas para manter a fileira do poder nas mãos dos mesmos: dos partidos do costume e do capital que se faz representar por esses mesmos partidos que se auto-denominam de partidos da dita governabilidade.

Se é verdade que é necessária a estabilidade de uma maturidade democrática, não é menos verdade que essa estabilidade é possível em situação de maioria relativa, onde se recupera o parlamentarismo, o diálogo com os vários agentes e movimentos sociais e onde se impõe a democracia representativa bem como o reforço da democracia participativa. Mais, é imperativo que se recupere o parlamentarismo e se reforcem as formas directas de participação democrática como condição para a estabilidade e maturidade democrática.

Tudo isto foi o que não tivemos com as maiorias absolutas, em particular, nestes últimos 4 anos. Nada de estranho se considerarmos que a própria palavra governabilidade, seja do ponto de vista semântico ou histórico, revela exactamente o avesso a uma democracia aberta e participada.

A governabilidade pelo autoritarismo

Durante estes últimos quatro anos, em particular, Portugal experimentou a governabilidade que agora se apregoa. A maioria absoluta do PS foi omnipresente. E na verdade, a governabilidade da maioria absoluta foi a governabilidade da instabilidade social e económica e foi, acima de tudo, a governabilidade do autoritarismo e da arrogância. Arrogância de tal forma escudada pela maioria absoluta que desprezava as maiores manifestações de rua que Portugal conheceu nos últimos anos. É o mesmo tipo de governabilidade de maioria absoluta de Cavaco Silva que respondia com o cacetete a quem ousasse a manifestação. Pois esta é que é a verdadeira definição de governabilidade.

"Aponta-se uma primeira geração de análises sobre governabilidade originada nos trabalhos de Huntington de final dos anos 60 e década de 70 (cf. Huntington, 1965; 1968; 1975), que interpretam a crise de governabilidade como fruto dos excessos da participação e sobrecarga de demandas" [SANTOS: 1997]. A saída preconizada para repor a governabilidade passava pelo reforço da autoridade e autoritarismo do Estado, fechando-se à participação popular e à manifestação social.

É nos anos 80 que a chantagem da 'crise da governabilidade' se torna mais evidente. Nesta altura em que alguns chefes de governo (com Reagen e Thatcher à cabeça) começam a implantar o neoliberalismo como modelo económico dominante, o discurso sobre a governabilidade torna-se mais evidente e recorrente. A explicação surge simples e clara: afastar a participação democrática, fugir ao escrutínio popular na altura de implementar longos pacotes de políticas anti-sociais, limitar a discussão de forma a impor como fatalidade o neoliberalismo e um modelo de destruição do Estado Social.

O discurso oficial é uma cópia do que ouvimos hoje: que em tempos de crise económica é necessário um governo que garanta a estabilidade e a governabilidade do país. As razões verdadeiras sempre foram o reforço do autoritarismo do Estado, o isolamento e predomínio do Executivo no processo decisório como forma de controlar e limitar a participação social e o próprio debate parlamentar e partidário. Com a desculpa da racionalidade e rapidez das medidas fechou-se a porta à democracia e assim se cimentaram os alicerces do neoliberalismo.

Se fizéssemos uma análise comparativa chegaríamos à conclusão do decalque dos discursos: Sócrates, Manuela Ferreira Leite e todos os paladinos da maioria absoluta como forma de garantir a governabilidade recuperaram o discurso dos anos 80 que guiaram ao autoritarismo e ao neoliberalismo.

Parece assim que só pede a maioria absoluta como condição de governabilidade quem se prepara para governar implantando medidas anti-sociais. A maioria absoluta serve assim de escudo que permite ignorar as manifestações de milhares, a oposição parlamentar e a oposição de rua.

Só dramatiza o discurso da governabilidade quem tem já no bolso um pacote de medidas que lançará a instabilidade social. Se assim não fosse e se as políticas pensadas para a governação fossem as políticas sociais e de justiça social não precisariam de pedir pelo escudo da maioria absoluta pois conseguiriam garantir uma legitimidade muito maior: a do apoio da maioria social.

Referências Bibliográficas:

DINIZ, Eli. (1995), "Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova Ordem no Brasil nos Anos 90". Dados, vol. 38, nº 3.

SANTOS, Maria Helena Castro de (1997), "Governabilidade, Governança e Democracia: Criação de Capacidade Governativa e Relações Executivo-Legislativo no Brasil Pós-Constituinte". Dados, vol. 40, nº3

Moisés Ferreira

 

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