Razões da representação democrática Versão para impressão
Domingo, 16 Agosto 2009

(...) Devem ter direito ao voto todas as pessoas que venham a ter a sua vida influenciada pelas decisões políticas tomadas num determinado universo geográfico e social durante o período em que o contrato eleitoral está em vigor, com excepção às que ainda não tenham atingido a maioridade política.

Artigo de Rui Abreu

 1 – Direito ao voto

           

Sufrágio Universal – Sendo um factor recente dos sistemas políticos capitalistas, o sufrágio universal é, na sua acessão mais profunda, algo ainda por conquistar. Devem ter direito ao voto todas as pessoas que venham a ter a sua vida influenciada pelas decisões políticas tomadas num determinado universo geográfico e social durante o período em que o contrato eleitoral está em vigor, com excepção às que ainda não tenham atingido a maioridade política. Temos assim a situação dos imigrantes como uma desconformidade com a universalidade do voto. Esta faixa social ainda não vê consagrado nos seus direitos sociais do país de acolhimento, o voto. Existindo já em alguns países o direito ao voto para a imigração, este ainda é balizado por normas de permanência e/ou de integração, e estão (em regra) dependentes de acordos bi-laterais entre Estados. Normalmente, o direito ao voto está ligado ao de cidadania do país acolhedor. Assim, as legislações são muito exigentes em termos da extensão da permanência, sancionando com períodos muito grandes de permanência a obtenção do direito ao voto. Também assentam na responsabilidade bi-lateral, em que só é concedido o direito ao voto aos imigrantes no país acolhedor quando os seus emigrantes têm o mesmo direito no país de origem. Existe assim uma relação equilibrada entre Estados, mas uma relação injusta entre os Estados dos países acolhedores e os imigrantes provenientes de países que não têm esse género de acordos bi-laterais.

No século Online, em que a vida assume um carácter cada vez mais dinâmico, em que migrações de trabalho são cada vez mais e por períodos menores, começa a ficar desajustado este conceito entre o direito ao voto e a cidadania plena. Tem de existir uma maior valorização democrática dos períodos de permanência. Os processos legislativos devem ter assim um carácter mais célere e dinâmico.

Maioridade política – Não existindo um “maturómetro” que permita aferir a idade em que se deve ter o direito ao voto, o princípio é o já seguido noutras matérias legais. A idade dos direitos sociais deve ser a idade das obrigações sociais. E sempre a mesma idade. Exemplo: se a maioridade para trabalhar e pagar impostos é aos 16 anos, então a maioridade política que permite o direito ao voto terá de ser aos 16 anos.

 

2 – Valor do voto

Magnitude dos círculos eleitorais – A dimensão dos círculos eleitorais deve ser ajustada ao território geográfico e social que os eleitos irão dirigir politicamente. É assim conferida uma melhor definição quanto ao objecto do Órgão político. Um parlamento nacional não tem de ser um conjunto representativo das regiões. Se o objectivo é dar poder político às regiões, então, que se descentralize esse poder. No caso português (se se concluir que a divisão administrativa política actual está desajustada à realidade, como já está reconhecido nas áreas metropolitanas e suas Assembleias, que ainda não são eleitas) que se faça uma regionalização ou que se confira mais poderes aos Órgãos Políticos Autárquicos Municipais. O Parlamento português deveria ser eleito através de um único círculo eleitoral e um círculo único de apuramento, que permitisse dar uma identidade política mais clara e para minimizar o resto dos votos que ficam sem representação (deveria existir um circulo de compensação que permitisse agrupar esse resto dos votos e conferir-lhes valor, havendo um conjunto de mandatos que seriam eleitos com esses votos). Torna-se ainda mais evidente num território tão pequeno como o português. Não existe explicação para o facto de os deputados da nação desconhecerem parte de um território minúsculo (em termos nacionais), como o de Portugal.

Proporcionalidade directa -  Em tese e como horizonte, todos os votos devem ter representação, e esta  deve ter poder de realização política proporcional à sua votação. Só assim os votos têm todos o mesmo valor. Se já é adquirido que os sistemas eleitorais de proporcionalidade directa são os que conferem uma transposição de votos em mandatos mais democrática, ainda têm de ser aprofundados os mecanismos políticos que permitam forças políticas de menor expressão eleitoral terem poder legislativo. Se uma força política tem 10% da votação, então deveria ver aprovadas, na mesma expressão, as iniciativas políticas aprovadas na determinada Assembleia. No limite, a democracia não é um exercício político maioritário, mas sim um exercício político de todos. Nada tem de democrático uma força política apresentar num parlamento nacional inúmeras propostas e, porque não tem maioria, não conseguir aprovar uma ínfima parte. Só acontece a aprovação dessas propostas, quando existe um consenso social esmagador em torno das propostas (e por vezes nem assim). Os votos depositados nessa força política, tendo representação no teatro político, não têm representação real na vida.

É claro que não é um modelo aplicável num futuro próximo, até porque ainda faltam alcançar uma série de conquistas democráticas (a começar pela socialização económica). Como também é claro que as propostas não têm todas a mesma importância e que, como tal, não é um exercício meramente aritmético conferir essa proporcionalidade. Mas já existem exemplos mais ou menos consensuais na relação entre iniciativas legislativas e a aritmética de votação. Recordemos, no caso de Portugal, que certas votações requerem consensos mais alargados que os 50%, devido ao cariz qualitativo da proposta em discussão (ex: Constituição da República Portuguesa, Leis Eleitorais); então é possível haver uma gradação quanto à importância das propostas, futuras Leis, é possível relacionar a proporcionalidade e a realização política. Numa outra fase social, com outros estudos e consensos políticos, também será possível transportar a proporcionalidade directa para a realização política.

 

De imediato, o que é exigível em Portugal, é a constituição de um círculo único de apuramento (e não falo de um único círculo eleitoral, com respeito às sensibilidades regionalistas, com as quais discordo pelos motivos atrás referidos) e um outro de compensação, traduzindo no teatro político um valor igual para todos os votos, tendo todos representação.

3 – Valorização do Contrato Eleitoral

Dissolução dos Órgãos por iniciativa assembleísta ou cidadã – Tornou-se usual nos sistemas políticos contemporâneos, existir uma fase de proposição demagógica política e a aceitação desta fase como tal por parte dos votantes: a campanha eleitoral. Esta é a fase em que as forças políticas candidatas (ou pessoas, nos casos das eleições unipessoais) apresentam as condições em que pretendem fazer o seu exercício de representação política: as orientações políticas, as opções e caminhos que pretendem tomar: o programa eleitoral. È nesta fase que se estabelece as condições do Contrato Eleitoral, que se vem a firmar no dia do voto. É prática comum violentar as condições contratuais estabelecidas (por parte dos representantes sufragados), sem que a realidade justifique tal mudança. Só com mais fiscalização e maiores poderes das Assembleias, se pode pugnar pelo cumprimento dos programas eleitorais eleitos, se pode responsabilizar os executivos políticos, se pode valorizar o Contrato Eleitoral. As Assembleias deveriam ter capacidade para dissolver os Órgãos Executivos, assim como as populações também deviam ter capacidade de demitir os seus representantes políticos, em caso de incumprimento do Contrato Eleitoral, sem que nenhuma mudança significativa da realidade social o justifique. O respeito pelo Contrato Eleitoral é parte condicional para a valorização da política.

4 – Universo da representação democrática

Extinção da nomeação – Na representação política actual não é perceptível onde é o limite entre os cargos técnicos e os políticos. Esta indivisão tem tornado sofismável a discussão sobre quem deve ser nomeado e quem deve ser eleito. Mas é um falso paradigma. Existem já hoje em empresas (como a StatoilHidro, AS), modelos mais democráticos e que obedecem a uma lógica de representação electiva. Sem estarem imunes de outros problemas corruptivos, existem nestas empresas um sistema de progressão nas carreiras que é feita por avaliações: de cima para baixo e de baixo para cima. As chefias avaliam os seus subordinados e os subordinados avaliam as chefias (existindo regras quanto à dimensão de grupo de votação que garanta o anonimato e permita uma avaliação em consciência, sem o receio de represálias). Portanto a discussão está para além do que é técnico ou político. A representação por eleição pode e deve ser feita nos dois universos.

 

Na área social é muito mais exigida a representação por eleição. Começando no 3º poder do estado: o poder judiciário. Nos EUA, parte do sistema judiciário tem eleição. Como sabemos, o sistema político Norte-Americano afunda-se democraticamente em termos representativos, pelo sistema maioritário de eleição, que substancia o bi-partidarismo. Nas eleições dos xerifes é evidente a submissão dos e das candidatas aos Partidos Republicano e Democrata, mas é no entanto de realçar a eleição de representantes fora do poder político. É certo que existe uma componente técnica de peso na área da magistratura, mas tem de existir controlo democrático sobre quem exerce esse poder, tão crucial dentro de uma sociedade, como o da justiça. Também outros organismos públicos como na área da saúde (hospitais ou centros de saúde) ou na área da educação (conselhos directivos ou direcções de Universidades) devem ter uma melhor representação e uma escolha democrática que advenha de votações. Em última análise, não existe espaço para a nomeação, nem técnica nem política. Esta é parte da base corruptiva assente no lobbysmo. Tem de se criar instrumentos que permitam minimizar o universo da nomeação para que aumente o da representação.

A Democracia Participativa como limite da representação política – Boa-Ventura Sousa Santos tem no seu livro (Democracia Participativa), uma distinção clara sobre a Democracia Representativa e a Democracia Participativa: na 1ª, escolhe-se quem nos representa na tomada de decisões; na 2ª, decide-se. E são, de facto, 2 níveis diferentes de Democracia. A representação política pára na decisão directa das populações sobre o objecto político. Daí a extrema importância que têm instrumentos como os Orçamentos Participativos de carácter vinculativo, ou, numa fase anterior de compromisso político, os programas participados.

Consulta directa à população; os referendos - Não é garantido que uma decisão tomada pelo povo seja democrática; atente-se no exemplo de Napoleão, que ao usar o referendo (instrumento de consulta decisória directa à população) pela primeira vez, fê-lo no intuito de extinguir o Parlamento Francês. E ganhou! Fica assim explícito que uma decisão tomada de forma popular directa, não é por si democrática ou garante de progresso. E neste ponto, abandona-se a parte quantitativa (que quantidade da sociedade toma as decisões) e entra-se na parte qualitativa (que qualidade têm as decisões tomadas). Como comunista, reivindico como modelo de progresso uma sociedade que democratize a economia (pela socialização dos meios de produção das áreas vitais da sociedade), que contenha a relação entre a sócio e a bio-esfera num modelo sustentável; que eleve os patamares de direitos de todos os seres e que nivele as relações quando públicas, como tal, políticas. Mas este é o campo da opinião; do confronto de ideias, da discussão política. Fruto maior de todo o processo referendário em Portugal, sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez; foi a discussão social promovida. É toda uma quantidade de informação que se democratizou, debateu e se consolidou num consenso social maioritário. Consultas directas à população, a terem um cariz democrático e progressista têm de ser antecedidos e acompanhados de amplos debates sociais; tão grandes quanto a complexidade e a divisão social em tornos dos temas, o exigir.

Este modelo de consulta directa e decisória deve ser fomentada em todas as amplitudes, do Parlamento Europeu às Juntas de Freguesia. No universo Autárquico, órgãos políticos de maior proximidade com as populações, é ainda mais exigível a utilização da figura dos referendos locais.  

 

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