Cidade de Passagem Versão para impressão
Quinta, 23 Julho 2009
Num artigo recente, Jorge Vilas escrevia sobre as cidades e sobre o problema dialéctico que se abate sobre elas: por um lado o vasto físico, o casco arquitectónico, por outro lado, a falta de vida, de pessoas que habitem a cidade.
Artigo de Moisés Ferreira

Dizia Jorge Vilas que “sem gente lá dentro, as cidades perdem a sua razão de ser e tornam-se frias e impessoais. Eis um bom tema para as próximas eleições autárquicas”. Completamente de acordo! Mas não nos fiquemos pela constatação do fenómeno. Percebamos se é uma fatalidade ou se é uma escolha política.

Muitas das nossas cidades tornam-se cada vez mais uma coisa entre o local de passagem ou o apeadeiro de aragem; são destinos de migrações pendulares diárias mas não são o sítio onde habitamos e onde vivemos. Esmorecem depois do horário de expediente e ficam carcomidas pela desertificação.

Este é o actual diagnóstico, mas a situação não é uma fatalidade dos tempos. Não é uma imposição do avanço ou da modernidade. É, isso sim, o resultado de políticas levadas a cabo ao longo dos anos que têm por base uma visão de secundarização e alienação de tudo o que é público.

Nos últimos anos a suburbanização ganhou pendor e fez-se tendência. Especuladores, imobiliários e construtores satisfizeram-se na fúria da nova construção na maior parte das vezes desnecessária.

À suburbanização acrescem custos irremediáveis: em primeiro lugar para milhares de pessoas obrigadas a movimentos pendulares que consomem horas do dia-a-dia, aos quais se somam os custos ambientais e económicos dessas deslocações. Mas acima de tudo, os custos principais caem sobre a cidade que se desertificou pela centrifugação: a cidade não habitada passou a ser a cidade de serviços, em jeito de loja de conveniência, ou menos.

A cidade dos serviços despiu-se da dialéctica e fica-se agora pelo físico. Toda ela é casco arquitectónico. A cidade dos serviços é o rosto materializável de um pensamento político de quem se opõe ao que é público – aos espaços públicos e à vivência pública, bem como se opõe aos serviços públicos ou aos bens essenciais como bens públicos.

A cidade dos serviços é uma cidade morta concebida na mesma lógica de quem pretende um Estado concessionário em vez de um Estado interveniente. Afinal, os partidos nas autarquias são os mesmo que à frente do país têm vindo a mirrar o Estado Social e a blindar o acesso aos serviços públicos.

É por essa mesma razão – política e ideológica – que também nas cidades o espaço público se torna alienável, transformando os jardins em locais de passagem ou de estacionamento, cedendo os espaços e os bens públicos a privados, falhando na reabilitação e na habitabilidade.
Artigo de Moisés Ferreira

 

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