Corrupção: A descolonização que falta fazer. Versão para impressão
Sábado, 09 Maio 2009
"Private vices by the dextrous Management of a skilful politician may be turned into Public Benefits" Bernard Mandeville, 1714
A corrupção como factor que serve o desenvolvimento ao ultrapassar as barreiras da burocracia tem sido uma tese defendida por vários pensadores anglo-saxónicos desde a altura em que precisaram de definir orientações de governo para as suas colónias.
Texto de Francisco Silva

Com base nisso, Mandeville escreveu uma sátira onde concluía que sem o incentivo do benefício privado a sociedade paralisaria por falta de objectivos a atingir.

Será aceitável a tese de Mandeville nos seus e nos nossos dias?

A dificuldade de comunicação inerente á época em que Mandeville viveu (1670-1733) e o paradigma colonial que vivia, levaram a que se reproduzissem inúmeros fenómenos de burocratização devido á tentativa dos legisladores de controlar todos os processos decisórios.

Restava apenas uma margem mínima para o livre arbítrio e para qualquer desvio ás políticas ditadas pelos soberanos nas metrópoles.

Em Portugal passou-se o mesmo.

A necessidade de haver um eixo central de políticas de coesão levou á criação de uma máquina burocrática que deixava pouca ou nenhuma liberdade aos governadores das colónias para decidir o que quer que fosse.

Como a maior parte destas políticas não tinha em conta as especificidades locais inerentes não só á cultura mas a diversos factores de ordem socioeconómica e até mesmo geográfica, aos governadores restavam duas opções, ou a aplicação das leis pela força ou contornar as leis adaptando-as às especificidades locais, de modo a que a sociedade funcionasse.

Os governos das colónias eram amiúde entregues a políticos incómodos na metrópole e a jovens em início de carreira, pois eram os que estavam dispostos e disponíveis para fazer parte dos quadros ultramarinos.

Assim sendo, o sistema governativo ficava diversas vezes refém da inabilidade ou da incompetência por um lado e da inexperiência por outro.

Aliando a tudo isto a criação de uma corte em volta dos novos governadores tínhamos aquilo que era uma administração pública absolutamente ineficiente e paralisada.

No sentido de ultrapassar todas estas questões, assim como ultrapassar bloqueios políticos ou de falta de apoio popular, criava-se uma oligarquia dominante, cuja distância ás metrópoles permitia que desde que fossem cumpridos os objectivos estabelecidos pelo governo central não houvesse alteração de forças que pusessem em causa os interesses estabelecidos.

O mesmo é dizer que devido a todas as dificuldades inerentes ao processo de comunicação (fazer chegar uma mensagem de Timor a Lisboa ainda no séc. XX demorava cerca de duas semanas, mais duas semanas para a resposta chegar a Timor...), interessavam apenas os fins e não os meios.

A corrupção surgia então como o factor que ultrapassava estas barreiras e conseguia com que sociedades presas por uma teia imensa e absurda de leis burocráticas conseguissem ser produtivas.

Tal acontecia porque a classe que dominava o poder não representava minimamente os interesses do povo, tomado como escravo para aumentar os índices de produção.

A dinâmica económica gerada pela exploração de matéria-prima de elevado valor com mão-de-obra praticamente sem custos, permitia ganhos que satisfaziam o governo central e serviam para ir comprando a paz social através da distribuição do saque pelos diversos caciques locais.

Criaram-se inúmeros vícios de poder que geravam empregos e riqueza absolutamente especulativos.

Ao não ter ideia das potencialidades reais de cada colónia, o governo central limitava-se a aceitar e a acreditar nos dados que eram enviados pelos governos locais porque na realidade não havia maneira de os verificar em tempo útil.

Daí, se compreender que entre o mal maior que seriam colónias ingovernáveis ou  o mal menor que seria alimentar uma sociedade corrupta, houvesse quem pusesse em prática a tese de que " certos vícios de poder nas mãos de políticos hábeis resultam em benefícios públicos" com algum sucesso.

Traduzindo para um termo mais popular seria o tal " Rouba mas faz ".

Em contraponto, uma sociedade corrupta cria necessariamente diversos problemas em termos de governabilidade, de liberdades e de garantias.

Em termos de economia real, afasta qualquer hipótese de inovação ou de propostas para novos modelos de gestão, pois a economia tende a estagnar para não alterar o status quo que mantém dinasticamente as mesmas famílias no poder.

Com a estagnação da economia cria-se uma inércia geral que paralisa os sectores governativos de modo a não alterar a relação de forças entre as classes governadas, criando dando inicio a outro processo de estagnação: o do desenvolvimento social.

A governação tende a ser orientada para a distracção das massas de modo a que estas estejam absorvidas no seu pequeno mundo de medos e de sonhos, reprimindo qualquer tentativa de progresso ou de desenvolvimento que pudesse vir a pôr em causa toda a estabilidade desta teia de interesses que é a corrupção.

Numa economia de mercado liberal como a que vivemos hoje, a corrupção impede a formação de um tecido empresarial sólido baseado na competitividade e na saúde financeira pois destrói por completo todo e qualquer princípio de concorrência.

Tais constatações podem ser vistas em Portugal com a destruição das nossas actividades produtivas em prol dos interesses de multinacionais que ditam as regras de modo monopolista.

Os diversos governos dos partidos do Bloco Central utilizaram desregradamente os fundos de uma União Europeia demasiado longe para controlar as aplicações destes, construindo uma economia e uma sociedade baseadas num modelo corrupto mas cujos indicadores e relatórios conseguem dar a impressão que as directivas Europeias são cumpridas cá.

Em vez de aplicar os fundos no desenvolvimento que nos poderia trazer o progresso e a melhoria das condições de vida a longo prazo, optaram por distribui-los de modo a que os indicadores económicos disparassem a curto prazo (e caíssem gradualmente a médio prazo).

Isto é: em vez de um empresário investir na criação de emprego e riqueza que permitisse lucros para todos os envolvidos no processo produtivo, esse mesmo empresário fez aplicações especulativas e utilizou o resto em bens de consumo que sustentavam uma aparência e um nível de vida luxuoso.

Ora assim foi o nosso "desenvolvimento" com a entrada dos fundos comunitários.

Quando estes acabaram, o crédito acessível foi o balão de oxigénio deste tipo de sociedades que proliferam pela Europa fora.

Para manter os indicadores económicos disparou o endividamento particular e público e a União Europeia decidiu cortar com a despesa pública dos seus Estados Membros porque se suspeitava que havia contas demasiado maquilhadas.

Hoje, a Europa e o Mundo começam do zero.

O modelo Neo-Liberal que era perfeito no princípio do séc. XXI ruiu como um castelo de cartas.

Com uma certa ironia pode-se dizer que a especulação e a corrupção acabaram com "o fim da História" assim como acabaram com a soberania das nações, dos governos e das autarquias.

Como tal, não nos é de todo possível continuar a aceitar a tese de que a corrupção proporciona o progresso.

Tal não é válido para uma sociedade em que todo o Homem é digno e não existe a exploração daquele que nos é igual.

Aceitar a corrupção como um mal endémico inerente ao Estado é aceitar que o Estado falhou no cumprimento de si próprio.

É esperar que haja uma guerra de autodeterminação, uma convulsão social que devolva a soberania ao povo.

Cabe-nos pois nesta altura em que mais se vai lutar pela manutenção dos interesses do tal Bloco Central, não discutir as soluções de poder porque nunca foi esse o nosso campeonato, mas sim lançar as bases para que as leis sejam adequadas ás especificidades do nosso país, á nossa cultura, ás nossas necessidades.

É necessário reformular todo o sistema legal para acabar de vez com a corrupção.

Não interessa estar no poder para que fique tudo na mesma e os interesses corruptos continuem, pois por muito bela e sólida que pareça uma obra, é a parte que não se vê, os seus alicerces, a sua raiz que garante a solidez.

E a parte que não se vê na sociedade são os valores que cada um traz consigo.

Se forem valores sólidos e honestos o resto a seu tempo se porá de pé. 

Por isso, quando perguntam com sarcasmo se os sonhadores são alternativa de poder, respondo que não. Sem dúvida que não.

Somos sim uma alternativa de sociedade, de políticas e de valores.

Francisco Silva


 

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