Isto não é Fascismo, é um Sinónimo Versão para impressão
Segunda, 12 Julho 2010

No seguimento dos sucessivos ataques de Israel à soberania do Estado Palestiniano e, mais recentemente, do ataque à Frota Liberdade, propomos, neste artigo, tentar algo como uma hermenêutica perante a obra que é o Mundo, discerni-lo, ver os seus problemas, aporias e momentos auto-refutantes no que diz respeitos aos conflitos e às (ausências de) relações de Israel com os estados árabes e/ou muçulmanos, assim como a relação que mantém com os EUA ou a total dependência israelita da injecção militar, económica e logística americana.

Artigo de Ana Sá e Francisco Norega

Geograficamente, o Estado de Israel parece funcionar somente como ponto de passagem entre África e o Médio Oriente, parece lá estar forçosa e forçadamente imposto – embora esta seja uma ideia com um teor algo radical, acreditamos que cada povo tem direito à sua autodeterminação, ou seja, somos apologistas das mesmas circunstâncias de igualdade. O que se passa é que, no panorama actual, Israel descortina-se como um ponto estratégico, um pedaço de terra isolado num mar de hostilidades: os estados circundantes mais não desejam que a sua aniquilação (se não todos, a maioria).

     Este tema gira muito em torno de um conflito interno e regional e, em larga escala, da intervenção exercida por parte de estados exteriores. Dado que a não intervenção em assuntos internos de Estados soberanos é uma regra básica do Direito Internacional, a mesma é constantemente posta em causa pelas intervenções arbitrárias exercidas pelos EUA, Israel, Estados Árabes, Europa, …, ou seja, a ordem é forçada consoante os interesses de cada um. Através do caso de Israel e países vizinhos, claramente se conclui que o que acontece se deve à influência e ao jogo internacional em que estão inseridos.

     E o que é, afinal, “intervenção”? Desde o momento em que é uma palavra normativa e descritiva, a sua utilização gera confusão. Não apenas descreve o que está a acontecer mas emite, igualmente, juízos de valor. Se se analisarem as várias intervenções sobre Israel verifica-se que, da parte americana, se obtém uma posição extremista, em que é impingida a existência forçada do Estado de Israel; do lado árabe, a intervenção é também extremista, mas de maneira oposta à americana; já da parte europeia, esta é mais pacifista, pela procura de um equilíbrio. De uma maneira mais abrangente, a intervenção também se pode inserir numa escala que varia entre coerção forte e coerção fraca: todos estes estados (EUA, Países Árabes e Israel) partilham de uma intenção violenta sobre os outros, de coacção e mesmo do fornecimento de conselheiros militares. No caso dos EUA, a intervenção é nítida, por exemplo, quando apoiada na influência económica e militar em Israel e num discurso destinado a influenciar a política interna de um outro Estado, como foi o caso do discurso de Bush sobre o Eixo do Mal.

     O que acaba por ressaltar destas realidades é a ideia de que, de acordo com o nível de influência exercido, se restringe a mobilidade e liberdade da população e política local.

     Se os Estados quebram leis internacionais, no mínimo não deveriam tomar uma posição altiva sobre semelhante acção levada a cabo por parte de outrem.

     Também o conceito de intervenção se encontra restringindo: os EUA intervêm com o objectivo de promover a justiça, justificando-se com o facto de ser (e acreditando que é) lícito intervir a favor dos “bons” (e aqui poderíamos questionar quem e com que direito define quem são os bons e os maus, mas isso daria outro artigo), enquanto que, com a intervenção de Israel, há uma quebra de juízo moral, com os sucessivos ataques aos Direitos Humanos mais básicos. Já a intervenção da Europa é mais equilibrada, sendo quase uma não-intervenção, uma vez que “intervenção” raramente se apoia em qualquer justificação quando o valor central da política internacional é a autonomia e soberania de cada Estado ou povo. Por outro lado, a posição de não-intervenção da Europa roça a cumplicidade, ao não tomar posição perante os sucessivos ataques de Israel aos Direitos Humanos, à soberania do Estado Palestiniano e, com isto, à Lei Internacional.

     Fazendo um pequeno aparte, e olhando para trás na História, vemos nos gregos, franceses, americanos, …, uma tentativa de criar uma ideia de Direito Internacional e uma sociedade global, assentes nos seus valores e leis. Esta tentativa ganha forma em organizações como a Commonwealth (a um nível mais limitado), a Liga das Nações, que fracassa mas é  essencial para a criação da ONU, a própria ONU e, a um outro nível, a NATO. Estas organizações tentam, de uma forma algo paternalista, levar a todo o mundo os valores da sociedade ocidental e o Direito Internacional, debatendo-se pela paz e pela democracia, e pelo respeito pelos Direitos Humanos – por exemplo, no Irão, no Afeganistão e na Coreia do Norte – fazendo-o a NATO muitas vezes com o uso da força. Voltando atrás, e pegando nas intervenções da Europa e dos EUA, podemos concluir que são algo hipócritas, pois, neste conflito, compactuam com os sucessivos ataques à paz e desrespeitos dos Direitos Humanos e da Lei Internacional, por parte de Israel, enquanto em todos os outros casos, os combatem. 

     No seguimento do que foi apresentado, seria interessante abordar o porquê  de certa situação eclodir em determinado momento, quando já  se encontrava a germinar.

     A conspirar para a criação do Estado de Israel em 1948, além da região onde se localiza ser o berço das tribos israelitas, da primeira religião monoteísta e da cultura judaica, houve também a II Guerra Mundial, que teve como feito o Genocídio, pretexto crucial para a criação de um lar, de uma identidade, de um Estado-Nação sionista e para o povo judeu não ter que lidar com a eterna Diáspora. Criado em territórios colonizados por parte dos ingleses, na altura da atribuída independência, faz-se a divisão territorial entre Palestina e Israel: é aqui que o lar é “oferecido”, algo que, desde o primeiro instante de criação, teve as suas implicações – a recusa veemente por parte dos árabes.

     Em 1947, a ONU, ao elaborar o Plano de Partilha da Palestina, destinou 55% do território a Israel. No ano seguinte, com a proclamação da independência do Estado de Israel, as nações árabes lançaram-se numa guerra para a aniquilação de Israel, mas saíram derrotados. Após esta vitória, Israel passa a ocupar 77% do território, desrespeitando o Plano de Partilha da ONU. Para além disso, Israel vai construindo colonatos dentro do já de si diminuto território do Estado Palestiniano. Assim, os palestinianos vêem-se confinados a um reduzido território, dividido em duas partes incomunicáveis, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, e ocupado progressivamente por colonatos israelitas.

     Seria de prever, na sequência de tudo isto, a eclosão de uma guerra duradoura, sem fim à vista, com os árabes a reivindicar a sua terra. Dá-se, assim, início a um jogo paradoxal, ponto no qual urge colocar a seguinte questão: teriam os ingleses o direito de atribuir um território aos judeus sem ter em consideração a opinião dos árabes, quando estes sentiam que estavam a doar um território a um povo que havia sofrido um genocídio num outro continente, e do qual não tinham culpa?

     Mas, então, o que julgar? A forma como tudo foi feito, ou o direito de permanência do povo israelita naquele território? Acreditamos que é possível uma situação que satisfaça os dois povos, através de um processo faseado, em que exista um acostumar gradual de um povo a outro. Deste modo, construir-se-ia um “estado misto”, em que não existiria divisão de territórios, mas a ocupação e partilha destes por ambos os povos num clima de paz e fraternidade, porque a multiculturalidade não é nenhum crime. O processo de construção de um lar para os judeus podia não ter sido um processo à custa dos árabes, mas com eles.

     Por outro lado, seria de esperar que um povo que sofreu na pele todas as atrocidades do Holocausto criasse uma nação com uma vontade de paz mais forte do que a de qualquer povo. No entanto, isso não aconteceu, pelo que se impõe mais uma importante questão: será possível a existência futura e contínua de Israel, a nível autónomo e sem intervenção exterior?

     Que processo se tem vindo a criar? Como caminhará para o futuro? Precisaremos de uma mútua construção de subjectividades? Um terceiro espaço de enunciação sem o “eu” nem o “outro”, espaço esse utópico e imaginário? Talvez esse espaço ambivalente ajudasse a aceitar o exotismo da diversidade e o mecanismo do multiculturalismo.

     Parafraseando Kant, the concept of freedom is the keystone of the whole architechture of the system of pure reason.

 

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