Para nós, que futuro? Versão para impressão
Quinta, 02 Dezembro 2010

A cada dia que passa, o nosso futuro torna-se mais e mais negro.

Artigo de Francisco Norega

Fala-se numa crise (algo abstracta) e na necessidade de austeridade para a combater – e, se os jovens não tiveram responsabilidade nenhuma na crise, já não se poderá dizer que eles não serão afectados por essa “austeridade” que a combate (pertinente é perguntar se os responsáveis por esta crise sofrem algo com ela).

Hoje, os jovens, estudantes dos vários ciclos de ensino em Portugal, vêem a sua vida cada vez mais difícil e as suas perspectivas para o futuro piores ainda. Se a educação em Portugal já não é perfeita hoje, pior vai ficar com menos condições materiais e humanas e a sobrecarga de trabalho dos professores e funcionários que ainda restam. Se a educação já não é gratuita, com os encargos elevadíssimos na aquisição de manuais, mais cara vai ficar para as famílias: a aplicação do Decreto de Lei 70/2010 faz com que milhares de estudantes do Ensino Superior deixem de estar abrangidos pelas bolsas e a “redução dos passes sociais 4ˍ18 e Subˍ23” prevista no Orçamento de Estado para 2011 poderá duplicar os custos dos estudantes em transportes para as Escolas e Universidades. A par disto, no Secundário, com o Novo Modelo de Gestão das Escolas, os privados têm cada vez mais influência e abre-se espaço para uma futura privatização das escolas (que, muito provavelmente, encarecerá a sua frequência de uma forma berrante).

Os primeiros passos em direcção à privatização da Educação, a degradação das condições do Ensino e os cortes na acção social escolar acontecem ao mesmo tempo que a população activa portuguesa é cada vez mais atacada: no sector público, com reduções nos salários e eliminação de benefícios e com imensos trabalhadores em regime de recibos verdes em diversos serviços; no privado, com mais flexibilidade e precariedade, e com cada vez menos rendimentos (para os trabalhadores, não para os patrões e gestores); transversalmente, com os cortes nos abonos e nos subsídios, chegando o subsídio de desemprego a uma cada vez menor percentagem dos desempregados. E não nos esqueçamos que esta população activa que vê os seus salários reduzidos, que se vê empurrada para a precariedade e que perde benefícios são os nossos pais, os nossos familiares.

Temos, então, uma degradação da qualidade de vida da maioria da população e, simultaneamente, a redução dos apoios garantidos pelo Estado, quando é nestas situações que eles são mais necessários.

Nós, mais do que estudantes do Secundário a lutar contra um Estatuto do Aluno que pouco sentido faz, contra a degradação das condições materiais e humanas nas escolas, contra os cortes no Orçamento para a Educação e por uma real implementação da Educação Sexual, devemos ser jovens a lutar pelo nosso futuro. Porque, apesar de essas serem questões importantes, de que nos vai valer termos tido um Estatuto do Aluno decente, boas condições nas Escolas, aulas de Educação Sexual se, ao chegarmos ao 12º ano, não pudermos ir para o Superior, pois a nossa família não consegue suportar esse custo e não temos direito a uma bolsa? De que nos valerá tudo isso quando, depois de um esforço desmesurado das nossas famílias, terminarmos a Universidade e apenas tivermos acesso a trabalhos precários, ou nem sequer isso?

Devemos olhar em frente e pensar bem naquilo que queremos para o nosso futuro.

No futuro, haverá cada vez menos alunos a entrar no Ensino Secundário, pois cada vez mais e mais famílias terão dificuldades em suportar os crescentes custos dos transportes para as Escolas, dos manuais e da alimentação. Haverá também cada vez menos alunos a ingressar no Ensino Superior pois os pais não conseguirão pagar as propinas, a habitação e a alimentação dos seus filhos a estudar noutra cidade. E haverá também muitos alunos a abandoná-lo pois deixarão de ser abrangidos pelas bolsas que lhes permitiam ali estar.

Nós, estudantes do Secundário, seremos, no futuro, estudantes do Superior. Melhor dizendo, alguns (e apenas alguns) de nós serão – os que puderem. Sobrecarregaremos as nossas famílias com mais e mais despesas, quando elas têm cada vez menos rendimentos e apoios, durante vários anos. E, agora, chega a altura de perguntar: “Para quê?”.

Há cada vez mais precariedade e menos segurança no trabalho entre os jovens, com mais de metade dos trabalhadores entre os 15 e os 24 anos a possuir contratos a prazo (e, portanto, mão-de-obra mais barata), e o desemprego a atingir níveis históricos (quase 25% dos jovens portugueses estavam desempregados no terceiro trimestre deste ano).

Repito, as questões do Estatuto do Aluno, do Financiamento e da Educação Sexual são importantes, mas é importante olharmos também para o futuro-não-tão-próximo-assim, reflectirmos bem sobre aquilo que nos vai esperar daqui a dez, quinze anos, e pensarmos se é isso que nós queremos.


É preciso lutar contra os cortes na acção social, contra o crescente elitismo do Ensino Superior. É preciso lutar contra a degradação das condições de vida da classe trabalhadora. É preciso lutar contra as medidas que abrem espaço à precariedade, que criam desemprego.

 

Não nos esqueçamos que somos nós, estudantes do Secundário, que dentro de poucos anos estaremos no Ensino Superior e que, dentro de mais uns quantos, poderemos muito facilmente fazer parte da massa de trabalhadores precários ou da massa de desempregados em Portugal, se nada fizermos para combater as medidas injustas do Governo que penaliza apenas aqueles que já pouco têm e que nenhuma culpa têm da crise mundial.

 

Os problemas da classe trabalhadora serão os problemas dos estudantes do Superior e do Secundário. Os problemas dos estudantes do Superior serão também dos do Secundário. Em França, os estudantes perceberão isso e juntaram-se aos protestos contra os aumentos da reforma. Em Inglaterra, os estudantes e os trabalhadores estão unidos na luta contra todas as medidas de austeridade. Em Itália, os estudantes saíram à rua tomando monumentos históricos e bloqueando auto-estradas e estações de comboios, protestando contra a Reforma Gelmini. Em Portugal, é urgente que toda a sociedade se una contra as medidas que, protegendo apenas quem mais tem, nos prejudicam a todos. É urgente que todos os estudantes se unam aos trabalhadores, aos desempregados e aos reformados numa luta forte, intransigente, com perspectivas de se atingirem resultados práticos e de se obrigar o Governo a mudar de políticas.

 

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