Quem apaga a crise? |
Segunda, 16 Agosto 2010 | |||
Passou mais um período da silly season e chegou a hora do rescaldo. De 759 diplomas, 202 são do BE, a força política que de forma reiterada apresenta mais serviço parlamentar, em contraste com o PS – 44 diplomas e com o PSD – 85 diplomas. Para o cidadão comum a mensagem que passa na comunicação social é de que os políticos são faltosos e todos iguais (interesseiros). Esta ideia dá muito jeito aos dois maiores partidos que até possuem almas gémeas na forma de governar e de tratar como “gente de segunda” aqueles que caíram na rede do desemprego. A rentrée política é fortemente marcada pelas posições ultra-liberais do PSD que descola do PS numa atitude suicidaria sem precedentes, dando a imagem de que o governo Sócrates até tem sido moderado. A actividade política vai arrancar com o orçamento de estado à vista e os apetites vorazes da direita. O PS, que tem tido nesse espaço os seus aliados, vai decerto ceder e castigar uma vez mais os mesmos. Claro que falo, em especial, dos trabalhadores. O neoliberalismo conseguiu, com o subterfúgio de uma crise económica destruir o conceito de qualidade de vida, passou-se a interiorizar este status quo como sobrevivência no trabalho e criou-se a ideia de que ainda é bom receber um salário. Quem governa são os patrões, entenda-se, os grandes grupos económicos. A precariedade e os baixos salários são a etiqueta de marca destes grupos que obtêm lucros fabulosos. Tudo isto, à custa da exploração que é acatada pelo governo à sobranceria da economia como se pudesse valer tudo. O Governo porta-se como o fiel guardião dos interesses capitalistas e não hesita em penalizar os contribuintes para pagarem o que não devem. Para ajudar a expurgar a imagem do governo e até a autenticá-lo como “bonzinho”, o PSD aparece mais agressivo e radical, com propostas nunca antes proferidas com tanta clareza. Fim dos contratos com facilidades para desempregar e indemnizar, trabalho extra não renumerado e horários liberalizados que já vêm de 2003 com a lei de Bagão Félix. Com esta lei, Sindicatos e Comissões de Trabalhadores perderam expressão, podemos dizer que já em 2003 o governo PSD actuava para viabilizar este mercado de trabalho cada vez mais precário onde a repressão laboral não tem punição. Reduzem-se os salários enquanto apregoam a exigência de melhores qualificações, desvalorizando o mercado de trabalho. Os custos de produção têm sido feitos à custa da redução de salários muitas vezes por falta infra-estruturas, acessibilidades e formação séria ao contrário da que forjaram em 2006. Contratos precários e injustos obrigam muitos a sobreviverem com o que podem, aceitando o que aparece muitas vezes duplamente explorado pelas empresas de trabalho temporário. Mas a falta de vergonha do governo não se fica por aqui, os falsos recibos verdes continuam a ser a expressão da exploração também por parte do estado que reduz com uns e esbanja com outros. Agora o PSD de Passos Coelho, alarmado por perceber que se “atolou” na intenção de revisão constitucional, vem demarcar-se do governo. Depois de dar a mão ao PS no PEC e alinhar no erro crasso do aumento de impostos e da forma como foi feito, vem dizer que não viabiliza o próximo Orçamento de Estado, se o mesmo equacionar aumento de impostos. E pede, ainda, ao governo que se demita enquanto Cavaco tem poderes para dissolver o Parlamento. Estes comportamentos só podem ser classificados de amadorismo político e recheados de muita hipocrisia e demagogia. António Arnaut prefere até ver o PS na oposição pois segundo o carismático socialista, sendo o seu partido oposição, este até defende o Sistema Nacional de Saúde. Eu próprio me atrevo a dizer que com o PS na oposição, temos um forte adversário ao Código Vieira da Silva. Contudo, com Passos Coelho a governar, teremos mais do mesmo, mais crise para os mesmos, em especial se pela primeira vez tivermos um governo de direita com um presidente de direita. Manuel Alegre é o único candidato que pode evitar essa possibilidade e esta luta já se iniciou com um Cavaco super activo que só não teve tempo para cumprir as suas funções como Chefe de Estado no funeral de Saramago, mostrando a sua verdadeira índole reconhecida nos tempos do buzinão da ponte com a ajuda do seu fiel Conselheiro de Estado, Dias Loureiro que nos brindou com um buraco de 4500 milhões de euros no BPN que Teixeira dos Santos tratou de tapar com o dinheiro dos contribuintes. Estes incendiários da vida política estão ao rubro e temos uma Europa e um país sem rumo onde, cada vez mais, se acentuam desigualdades e a única certeza é a da crise. Portugal nesta área consegue estar no pelotão da frente, no seu pior. Invariavelmente e por falta de meios e falta de prevenção, assistimos mais uma vez ao país a arder. Numa atitude puramente demagógica, Cavaco e Sócrates interromperam as suas férias para irem “atrapalhar” o Centro de Operações. Para esta deslocação cerimonial, patética e descabida, Cavaco não hesitou em deixar os netos na praia. Sócrates também ficou mais descansado, imagine-se, quando tínhamos populações em risco e um Canadair inoperacional. Enquanto Portugal arde, o “Tridente” (submarino machista) banha-se calmamente nas águas portuguesas aproveitando o sol nacional. Quanto custaram estas deslocações inúteis ao erário público? Para irmos ao fundo não era necessário um submarino, bastam-nos estas políticas que já são suficientes para provar que o Nobel Paul Krugman, tem razão sobre as políticas desastrosas da Europa. Quem paga a crise já nós sabemos, mas quem a apaga é difícil prever, com tantos incendiários… Paulo Cardoso
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação" | ISSUU | PDF | Revistas anteriores
Karl Marx