Quando matas DEZ milhões de africanos não te chamam 'HITLER' |
Segunda, 11 Novembro 2013 | |||
Dá uma olhada nesta foto. Sabes quem é? A maioria das pessoas nunca ouviu falar dele. Mas tu já devias ter ouvido falar sobre ele. Quando vês o seu rosto ou ouves o seu nome, devias sentir o mesmo vómito que sentes quando lês acerca de Mussolini ou Hitler, ou quando vês uma das suas fotos. Repara, ele matou mais de 10 milhões de pessoas no Congo. O nome dele é rei Leopoldo II da Bélgica. Leopoldo II foi "proprietário" do Congo durante o seu reinado como monarca constitucional da Bélgica. Depois de várias tentativas fracassadas de colonização na Ásia e em África, instalou-se no Congo. " Comprou" e escravizou a população do Congo, transformando o país inteiro em escravos pessoais da sua plantação. Disfarçou as suas transações comerciais sob a capa de esforços " filantrópicos" e " científicos", sob a bandeira da Sociedade Internacional Africana. Usou a força de trabalho escrava para extrair recursos e serviços congoleses. Seu reinado foi sustentado por campos de trabalho, mutilações corporais, tortura, execuções e pelo seu próprio exército particular. A maioria de nós não aprendeu nada sobre ele na escola. Nós não ouvimos falar dele na comunicação social. Ele não faz parte da narrativa amplamente repetida de opressão (que inclui coisas como o Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial). Ele é parte de uma longa história de colonialismo, imperialismo, escravidão e genocídio em África, que iria colidir com a construção social de uma narrativa da supremacia branca nas nossas escolas. Ele não se encaixa nos currículos escolares numa sociedade capitalista. Fazer comentários abertamente racistas é (por vezes) malvisto na sociedade ' educada ' , mas é excelente não falar sobre o genocídio na África perpetrado pelos monarcas capitalistas europeus. Mark Twain escreveu uma sátira sobre Leopold intitulada " Monólogo do Rei Leopold, uma defesa de seu domínio do Congo". Nesse texto, usando sobretudo as próprias palavras de Leopold , Mark Twain zombou da defesa que o rei fez sobre o seu reinado de terror. É uma leitura fácil em 49 páginas. Mark Twain é um autor popular nas escolas públicas americanas. Mas, tal como em ralação à maioria dos autores políticos, nós normalmente lemos apenas alguns de seus escritos políticos menos políticos ou lemo-los sem saber a razão pela qual o autor os escreveu. Animal Farm de Orwell [O triunfo dos Porcos, versão portuguesa; A Revolução dos Bichos, versão brasileira], por exemplo, serve para reforçar a propaganda anti- socialista americana sobre como as sociedades igualitárias estão condenadas a transformar-se nos seus contrários distópicos. Mas Orwell foi um revolucionário anti-capitalista de um tipo diferente e que nunca fala disso. Podemos ler sobre Huck Finn e Tom Sawyer, mas o "Monólogo do Rei Leopold " não está no programa nacional de leitura. Isso não é por acaso. As listas de leitura são criadas por conselhos de educação, a fim de preparar os alunos para seguir ordens e suportar o tédio. Do ponto de vista do Departamento da Educação, os africanos não têm história. Quando aprendemos sobre África, aprendemos sobre um Egito caricatural, sobre a epidemia de HIV (mas nunca as suas causas), sobre os efeitos do comércio de escravos nível de superfície, e talvez sobre Apartheid Sul Africano (cujos efeitos, conforme nos ensinam, desapareceram há muito, muito tempo). Vemos também muitas fotos de crianças famintas em na publicidade das Missões Cristãs, vemos safaris nas exibições de animais, e vemos imagens de desertos em filmes e filmes. Mas não aprendemos sobre a Grande Guerra Africana ou o Reinado de Terror de Leopold durante o genocídio congolês. Também não podemos aprender sobre o que os Estados Unidos fizeram no Iraque e no Afeganistão, matando milhões de pessoas através de bombas, sanções, doenças e fome. Contagens de corpos são importantes. E o governo dos Estados Unidos não conta as pessoas afegãs, iraquianas ou congolesas. Embora o genocídio congolês não esteja incluído [à data original do artigo] na página da Wikipédia "genocídios da História", a página refere o Congo. O que é agora chamado de República Democrática do Congo aparece na referência à Segunda Guerra do Congo (também chamada Guerra de África e Grande Guerra de África), onde ambos os lados do conflito multinacional caçavam o povo Bambenga – um grupo étnico regional – e praticavam o canibalismo . Canibalismo e escravatura são males terríveis que devem ser incluídos na história, com certeza, mas eu não pude deixar de pensar em que interesses serviria essa referência, quando a única menção do Congo na página era em referência aos incidentes multinacionais, onde uma pequena minoria de pessoas em África estavam comendo-se umas às outras (informação completamente desprovida das condições que criaram o conflito). Histórias que apoiam a narrativa da supremacia branca sobre a sub-humanidade das pessoas em África têm autorização para ser inscritas nos registros da história. O gajo branco que transformou o Congo na sua própria semi-plantação, semi-campo de concentração pessoal, semi–missão cristã e matou 10 a 15 milhões de congoleses no processo – não foi talhado para aparecer na história. Quando matas dez milhões de africanos não te chamam 'Hitler'. Ou seja, o teu nome não passa a simbolizar a encarnação viva do mal. O teu nome e tua imagem não produzem medo, ódio e tristeza. Ninguém fala das tuas vítimas e o seu nome não é lembrado. Leopold foi apenas uma das milhares de coisas que ajudaram a construir a supremacia branca quer como narrativa ideológica, quer como realidade material. Não tenho a pretensão de dizer que ele era a fonte de todo o mal no Congo. Ele tinha generais, soldados e gestores que cumpriram as suas ordens e executavam as suas leis. Ele era a cabeça de um sistema. Mas isso não nega a necessidade de falar sobre as pessoas que são simbólicos do sistema. Mas nós nem sequer conseguimos isso. E uma vez que não se fala nessas coisas, o que o capitalismo fez a África e todos os privilégios que os brancos ricos obtiveram com o genocídio do Congo permanecem ocultos. As vítimas do imperialismo são, como normalmente são, tornadas invisíveis. Liam O'Ceallaigh Artigo traduzido pela revista A Comuna, publicado em Diary of a Walking Butterfly
Ver também: O (ANTI-IMPERIALISTA) MARK TWAIN
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A Comuna 33 e 34
A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil" | Editorial | ISSUU | PDF
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